ENSINO SUPERIOR - Duplicam os alunos carenciados sem lugar em residência

Associações de estudantes recebem mais pedidos de ajuda. Governo reconhece problema

As Rendas em Lisboa e Porto aumentaram de tal forma com a pressão turística que já há estudantes a alugar beliches e a partilhar quartos

Há cada vez mais estudantes carenciados a não conseguirem um quarto nas residências universitárias.

No ano passado, cerca de 11.500 alunos de famílias com baixos rendimentos estavam matriculados longe de casa e precisavam de alojamento. Desses, 2058 (18%) ficaram de fora — o dobro do que acontecia há cinco anos, segundo dados da Direção-Geral de Ensino Superior.

Quase 20% dos estudantes mais pobres não têm lugar em residências

O número de pedidos tem vindo a aumentar (mais 16% face a 2013/14), mas não foi acompanhado por um aumento dos lugares em residências, obrigando cada vez mais estudantes a procurar quarto na oferta particular, onde os preços não têm parado de subir. Em Lisboa, o aluguer de um quarto pode atingir aos 600 euros e já há beliches em camaratas a mais de €250.

NÚMEROS

€6445 é quanto custa, em média, por ano, manter um aluno no ensino superior

73% do orçamento de despesas dos alunos é gasto nos custos de vida, como alojamento, alimentação e transportes

€600 é a média de arrendamento de um quarto para estudantes em Lisboa

€250 é a média de arrendamento de um quarto no Porto

“Chegam às universidades e politécnicos mais filhos de pessoas com menos habilitações e menos rendimentos. O sistema universitário está mais democrático, mas temos de estar atentos para não haver uma regressão”, frisa Luísa Cerdeira, autora do estudo “Custos dos Estudantes do Ensino Superior ”.

Os estudantes carenciados que não conseguem lugar em residências recebem um complemento de alojamento mensal que no ano passado foi, em média, de €118,23. Um valor muito insuficiente para pagar um quarto.

“É muito abaixo das rendas que se praticam. Além disso, o complemento só é atribuído se houver um contrato e a maioria dos quartos são alugados ilegalmente”, explica João Pedro Videira, presidente da Federação Académica do Porto.

Um estudo feito pela Federação Académica de Lisboa (FAL) revela que 64% dos alunos queixam-se das condições de alojamento, a maioria devido ao preço dos quartos. “Ter um filho no ensino superior custa, em média, 6445 euros por ano. Os custos de vida de um estudante deslocado representam 73% dos gastos e são superiores aos custos com a educação, que representam 27%. É preciso reforçar os apoios sociais, com mais bolsas, e aumentar o valor dessas bolsas para atender ao boom que está a acontecer em cidades como Lisboa e Porto”, defende Luísa Cerdeira.

Alojamento no OE

O problema é reconhecido pelo Governo que, na semana passada, apresentou um Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior e até Marcelo Rebelo de Sousa se pronunciou sobre o assunto. “O alojamento de estudantes será uma das matérias a incluir no Orçamento do Estado (OE). Era bom que o Estado, as universidades e as autarquias trabalhassem para enfrentar esse problema, sobretudo nos grandes centros urbanos e metropolitanos”, disse esta semana o Presidente da República.

No âmbito do plano do Governo, oito instituições do ensino superior estão a fechar protocolos para a reabilitação de imóveis que darão lugar a residências. Numa primeira fase, está prevista a criação de 1500 novas camas.

“O problema não foi só o aumento dos turistas. O número de alunos cresceu e não houve um aumento das residências. Os alunos são obrigados a ir para a oferta privada e as médias, em Lisboa, estão entre os €600 e os €650”, frisa João Rodrigues, presidente da FAL.

O valor médio da bolsa para alojamento é €118. Um quarto chega aos €600

No Porto, a Federação Académica apresenta médias de arrendamento mais baixas, entre os €250 e €300 por um quarto que, há cinco anos, poderia não custar mais do que €150. “É metade de um salário mínimo”, sublinha João Pedro Videira.

Às associações de estudantes vão chegando, cada vez mais, pedidos de ajuda e casos de quem deixou de estudar por não conseguir pagar a renda. Pedro (nome fictício) é um desses casos. Este ano foi obrigado a interromper o curso de Línguas e Relações Internacionais, na Faculdade de Letras do Porto, porque não tem €300 para pagar por um quarto, o valor mais barato que encontrou.

“A minha mãe ganha o ordenado mínimo e eu não lhe posso pedir isso. Seria impossível para mim pagar um quarto só com o complemento de ação social”, desabafa.

A solução foi regressar a casa da mãe, em Amarante, trabalhar e poupar durante um ano, para depois voltar à faculdade e completar as quatro cadeiras em falta. “Tenho essa esperança”, diz.

À Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa chegou o caso de duas jovens que tiveram de dividir uma cama de casal. “Estavam numa residência oficial, só havia uma cama e o dinheiro da bolsa não dava para um quarto na oferta particular. Os responsáveis da residência fecharam os olhos”, conta Beatriz Rosa, a responsável pelo serviço social.

Carolina Reis- Expresso