Emprego cresce, mas salários estão congelados

Remunerações recuaram 1,2% entre 2013-17. Atividades ligadas ao turismo e comércio mais afetadas

TRABALHO

A economia - medida pela evolução do PIB - e o mercado de trabalho têm vindo a recuperar desde 2013 e, sobretudo, 2014, ano da saída da troika, mas as remunerações médias regrediram ou, no mínimo, estagnaram, de acordo com o estudo "Empregos e salários: pontos de interrogação", do Observatório sobre Crises e Alternativas.

Nos últimos cincos anos (entre o 2.° trimestre de 2013 e o mesmo período de 2018) foram recuperados cerca de 450 mil dos 700 mil postos de trabalho destruídos nos cinco anos anteriores (entre o 2.° trimestre de 2008 e o mesmo período de 2013). Em contraste com o que se passou com a criação de emprego, a evolução dos salários entre 2013 e 2017 destaca-se pela negativa entre os países membros da OCDE (ver infográfíco). Com uma evolução negativa de 1,2%, Portugal surge na segunda posição, logo atrás da Bélgica (-1,4%).

"Um dos mistérios da evolução conjuntural atualmente na maior parte dos países desenvolvidos é que estando o desemprego a baixar claramente, os salários não estão a subir, o que seria normal em condições habituais", afirmou Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, numa entrevista concedida em maio.

NOVAS CONTRATAÇÕES

João Cerejeira, professor de Economia na Universidade do Minho, discorda. "É de esperar que os salários cresçam a um ritmo muito lento após uma crise como aquela que Portugal sofreu, nomeadamente enquanto o desemprego se manteve a níveis elevados", explica o especialista. "Numa fase de crescimento liquido do emprego, as novas contratações são feitas com salários inferiores às saídas (para a reforma, por exemplo). O efeito da entrada de novos trabalhadores com remunerações menores irá reduzir a subida do salário médio", acrescenta.

No período em análise, a percentagem dos trabalhadores por conta de outrem com contratos permanentes diminuiu muito ligeiramente de 78,3% para 77,9%, enquanto o peso dos trabalhadores com contratos a prazo aumentou de 17,9% para 18,6% e o dos que tinham outro tipo de contratos passou de 3,8% para 3,5%.

Segundo o estudo, há quatro ramos que emergem como grandes criadores de emprego: empresas de seleção de pessoal e trabalho temporário, restauração, comércio a retalho e alojamento, todos eles com uma remuneração abaixo da média. "Por outro lado, há um ramo destruidor de emprego (engenharia civil), que se caracteriza por uma remuneração média superior à média da economia", lê-se no documento.

De acordo com os autores do estudo, a desvalorização dos salários foi uma consequência do desemprego, das medidas de desproteção do emprego (afetando, por exemplo, da duração e o montante do subsídio de desemprego), das alterações à legislação laboral e no âmbito da Administração Pública, da eliminação de feriados, bancos de horas e trabalho extraordinário não remunerado como tal, entre outros fatores.

INDICADOR

Salário mínimo cada vez mais próximo do valor médio

O salário mínimo nacional (SMN) tem tido um ritmo de aceleração muito superior à média do país. O SMN já vai nos 580 euros, mais 20% do que em zoai.

O pouco conhecido índice Kaitz mede a proporção do SMN no ganho médio e mediano. Os dados mais recentes mostram que o SMN não tem cessado de ganhar terreno quer ao valor médio quer ao mediano. "Sim, a subida do índice de Kaitz (creio que será já o mais elevado da Europa) pode indicar uma estagnação salarial", confirma João Cerejeira, docente da Universidade do Minho.

João Cerejeira

Professor de Economia Universidade do Minho

"Creio que b ano de 2018 irá mostrar um crescimento salarial real significativo. Há um abrandamento na descida do desemprego, o que indica que podemos estar próximos da "taxa natural de desemprego". Se não tivermos um abrandamento da economia, é de esperar que os salários iniciem um ritmo de subida superior ao verificado nos últimos anos".

"Durante a crise não houve aumentos"

Trabalhadoras da restauração e do comércio valorizam componente familiar mais do que os salários finais
Erika Nunes

EMPREGO.

Diz o aforismo popular que "o dinheiro não é tudo" e o mesmo asseguram Fernanda Gonçalves e Luísa Santos, trabalhadoras de restauração e do comércio, respetivamente. Sabem, porque ouvem dizer, que "ainda há muita escravatura" noutros locais de trabalho, que é como quem diz "muitas horas e pouco salário", mas não é só pela retribuição que medem o emprego que têm. "Durante os anos da troika não houve aumentos", confessa Fernanda Gonçalves. "Mas nem por isso pensei em ir embora", completa.
A restauração pode ser dos setores mais exigentes para os trabalhadores. "Há quem tenha hora de entrar e nunca tenha hora de sair, mas ai de quem se atrase dez minutos, que já tem problemas. Não pode ser assim, tem de haver flexibilidade dos dois lados. Já tive de ir ao médico, tive de sair por algum tempo e nunca me descontaram.

E, por isso, também nunca pedi nada se tiver de ficar mais um bocado depois da hora", exemplifica Fernanda, 31 anos, trabalhadora na pastelaria "Giramassa" há 15 anos. Não foi, por isso, por ter o salário estagnado durante os anos da crise financeira que pensou mudar de emprego. "Nunca procurei outro emprego, nem pensei aceitar propostas, porque estou bem", resume. Afinal, a crise passou e o salário lá cresceu, acabando por "recuperar" o valor dos anos passados. "Valores não posso dizer, porque cada salário é negociado individualmente e cada empresa paga salários diferentes, mas, no meu caso, ganho pelo menos 20% mais do que ganhava em 2011", calcula a jovem trabalhadora.

FAZER PARTE DA FAMÍLIA

É no comércio que se encontra um dos maiores grupos de trabalhadores cujos salários têm estado estagnados desde a crise de 2011. O comércio tradicional está também entre os mais afetados pela concorrência das lojas online e dos centros comerciais, mas Luísa Santos, de 60 anos, que começou a trabalhar na Casa Marilú aos 14 anos, é mais um exemplo de trabalhadora para quem "é melhor ganhar menos, mas ser feliz". Entre a roupa interior de homem e senhora, pijamas, lenços e outras peças em algodão, licra ou poliéster, Luísa sente-se "em família" e, como tal, assegura que "nunca deixou de ter aumentos, anualmente, na proporção da inflação".

"Pelo que ouço contar, há quem tenha razão de queixa dos salários, mas não é o meu caso. Nunca me senti prejudicada a esse nível", reforça a trabalhadora. "Em tempos, quiseram aliciar-me para ir trabalhar para outras lojas, com muita gente, muitas mulheres. Nem quis saber se prometiam salários melhores, não estava interessada.

Aqui, fui sempre tratada como família e sinto-me feliz. Há coisas que o dinheiro não paga", resume Luísa, ainda que admitindo que não aufere um "salário alto".

"Sou feliz no que faço e sinto que sou valorizada. Os clientes chamam por mim para serem atendidos e, se ficar doente e não puder vir trabalhar, até choro, em casa, com saudades disto. Posso ter de reformar-me, um dia, mas não vou deixar de trabalhar", remata a trabalhadora da Baixa do Porto

Pedro Araújo - Jornal de Notícias | 22.11.2018