Fraude: Fundos europeus circularam por dez empresas

INVESTIGAÇÃO

A acusação do Ministério Público (MP) sobre o caso da Associação Industrial do Minho (AIMinho), num processo com126 arguidos (79 pessoas singulares e 47 empresas) envolve 10 empresas para circulação de dinheiro dos fundos europeus e uma fraude de quase 700 mil euros na construção do edifício do Instituto Empresarial do Minho (IEMinho), em Vila Verde. Enumera ainda irregularidades em formação, apoio a empresas, publicidade e viagens. No total, terão sido desviados finalidade 9,7 milhões de verbas comunitárias.

O documento do MP, a que o JN teve acesso, aponta seis arguidos como mentores de um esquema de fraudes, na obtenção de subsídios e ao Fisco: António Marques (ex-presidente), Nuno Martinho Martins, Raquel Vilaça, Rui Fernandes, Nuno Gomes e António Rocha, ex-dirigentes.

O esquema passaria pelo universo de empresas controladas pela AlMinho, entretanto declarada insolvente: Soluciona, Oficina da Inovação, Instituto Empresarial do Minho (IEMinho), Idite-Minho, UERN, Newbrain, Progarniza, Serverlink, Centrallink e Objetivo Inovar.

FSE E FEDER PAGAVAM TUDO

A troca de serviços fictícios e respetivos documentos contabilísticos envolveria, na maioria dos casos, a AIMinho, que funcionava como intermediária na aplicação de programas comunitários dirigidos às empresas, e os dois institutos - Idite e IEMinho.

Diz a acusação que os arguidos atuavam "de modo a obter proveitos pecuniários ilegítimos em operações financiadas quer pelo FSE (Fundo Social Europeu), quer pela componente nacional do Orçamento do Estado, quer pelo Feder (Fundo de Desenvolvimento Regional)".

Em muitos casos, atuavam, em circuito fechado, como promotores de uma dada candidatura e eram eles que a avaliavam, já que a AIMinho era uma estrutura intermédia de análise de projetos.

A construção do edifício-sede do IEMinho é um dos focos da acusação, envolvendo o seu diretor-geral, Rui Fernandes, e o seu presidente, António Marques, que entretanto se demitiu. O MP descreve um crime de fraude, que se prende com a edificação da sede, em Vila Verde: os custos terão sido empolados em cerca de 680 mil euros, combinado com o empreiteiro, e em beneficio da AlMinho.

Para a sua construção, o IEMinho apresentou uma candidatura a fundos europeus, sendo o investimento elegível executado de 2,8 milhões com um subsídio FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) não reembolsável de 2,2 milhões.

A obra foi adjudicada à construtora ACF, dos empresários e arguidos, António Correia e Custódio Correia, os quais - diz o MP - contaram com a ajuda de um contabilista e de um diretor de obra.

Os 690 mil euros terão sido devolvidos ao IEMinho pela ACF. A verba serviu para que o Instituto entrasse com a parte que lhe cabia na obra (25 por cento) sem desembolsar capital próprio.

ANTÓNIO MARQUES

Ex-presidente nega qualquer desvio para proveito pessoal

O principal arguido, António Marques, ex-presidente da AIMinho, é considerado o "epicentro do processo de formação da associação criminosa", diz a acusação do Ministério Público. Marques não se pronuncia sobre os crimes que lhe são imputados. Ainda assim, nos meios que lhe são próximos admite-se que possam ter ocorrido irregularidades, devido à necessidade de dar continuidade à AIMinho, que tinha "crescido de mais" nos anos anteriores e era uma máquina financeiramente pesada. No entanto, António Marques nega ter desviado quaisquer verbas para proveito pessoal.

1220 Associados

Chegou a ter a Associação Industrial do Minho, criada em 197 partir do Grémio dás Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas.

Ligação à política

A acusação do Ministério Público envolve vários arguidos ligados a funções políticas: Nuno Martinho Martins, diretor-geral da AIMinho, era assessor na Câmara de Felgueiras; Joel Costa, vereador do PS de Felgueiras: a diretora regional de Economia da Madeira Patrícia Dantas e a ex-vereadora do PSD em Viana do Castelo, Helena Marques.

Credibilidade da UMinho usada para enganar

Acusação do Ministério Público refere desvio de 9,7 milhões. Empreitada da sede de empresa foi financiada com inflação de 680 mil euros nos custos

Dois professores e dois investigadores acusados de conluio com Marques. Reitoria não comenta.

ACUSAÇÃO. Os supostos esquemas de fraude descritos na acusação passaram pelos departamentos de Biologia e Engenharia Biológica da Universidade do Minho (UMinho). O documento refere um estratagema que utilizou a empresa Yeastwine-urine Solutions, Lda., do setor vinícola, criada por António Marques e Isabel Araújo, para investigação na área das leveduras, dirigida a empresas vinícolas. Por causa deste negócio, dois professores e dois investigadores da UMinho foram acusados pelo Ministério Público.

"Para criar a convicção de seriedade do projeto, António Marques utilizou, por um lado, o conhecimento técnico da arguida Isabel Araújo, mas utilizou a credibilidade académica da Universidade do Minho", através de um protocolo com os departamentos de Biologia e de Engenharia Biológica, de 55 300 euros.

A Yeastwine apresentou candidatura a fundos europeus, que obteve 247 mil euros, correspondendo a 74,03% de comparticipação.

Para tal, "fez uso do chapéu institucional e do crédito académico" da UMinho.

A investigação concluiu que os professores José Teixeira e Margarida Casal - o primeiro a chefiar o departamento de Engenharia Biológica e a segunda a coordenar o de Biologia não efetuaram qualquer trabalho para o projeto, tendo recebido parte das verbas, e permitiram que a Yeastwine retirasse material dos laboratórios. E terão violado as regras internas de faturação. Margarida Casal demitiu-se, entretanto, do cargo de pró-reitora.

FALSAS DECLARAÇÕES

A acusação envolve, ainda, os investigadores Maria Eugénia Gonçalves e João Drumond Neves, a primeira das quais como caracterizadora de leveduras.

A acusação refere que a investigação que apresentou no projeto era a mesma que havia sido feita em sede de doutoramento na empresa Vinália, também propriedade de Isabel Araújo. Vai, por isso, ser alvo de um inquérito-crime autónomo por falsas declarações.

Ao JN, a Reitoria disse que "não produz comentários, aguardando a conclusão do processo". E "não tem conhecimento de procedimentos que infrinjam as disposições legais e regulamentares aplicáveis". No inquérito, os quatro arguidos da UMinho manifestaram-se inocentes.

Venda em insolvência

A AlMinho foi declarada insolvente. O administrador de insolvência colocou à venda edifícios em Braga e em Viana do Castelo por quatro milhões de euros. Fonte ligada ao processo disse ao JN que o prédio de Braga estará à venda por 2,36 milhões e o de Viana irá a leilão por 1,7 milhões. Ambos os bens estão hipotecados à Caixa Geral de Depósitos. A Caixa é credora de seis milhões, o que representa 48% dos 12,3 milhões de euros de créditos reclamados. Com 5,8 milhões (45%), o Novo Banco é o segundo. A insolvência foi declarada em setembro no Tribunal de Famalicão.

IEMinho em apuros

A direção do IEMinho-Instituto Empresarial do Minho, em Vila Verde, controlada pela AIMinho, também vai pedir a insolvência em tribunal. Se a Câmara de Vila Verde não reassumir o projeto original, de incubação de empresas, a liquidação será inevitável. O Ministério Público exige 2,5 milhões de euros, de fundos europeus alegadamente recebidos de forma indevida.

76 crimes são imputados ao principal arguido, António Marques, ex-presidente da AIMinho e conhecido empresário da zona de Braga.

Luís Moreira e Nuno Miguel Maia - Jornal de Notícias - 17.12.2018