Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO INFORMAÇÕES; AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO (avaliação de desempenho dos docentes nos anos letivos de 2004 a 2010)

Processo: 01775/18.6BEBRG

Data do Acórdão: 25-01-2019

Tribunal: TAF de Braga

Relator: Frederico Macedo Branco

INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO INFORMAÇÕES; AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO;

Sumário:

1 – Nos termos do artigo 104.º do CPTA “quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente” para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.

2 - Neste contexto, o CPA consagra o direito dos interessados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam diretamente interessados, no prazo de 10 dias, abrangendo as informações a prestar os atos e diligências praticados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados (artigo 61.º), bem como a obter certidão dos documentos que constem dos processos (artigo 62.º, n.º 3) e certificados de dados constantes de documentos do processo (artigo 61.º, n.º 2).

3 - A procedência do presente meio depende pois da verificação dos seguintes requisitos:

a) A qualidade de interessado do Requerente;

b) A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;

c) Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;

d) Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;

e) Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada.

4 - Não se estando em presença de matéria confidencial ou que se possa configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima, como seriam, por exemplo, os dados genéticos, de saúde ou que se prendessem com a vida sexual, bem como os relativos às convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que pudessem traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada, mas antes perante meros registos administrativos, não se mostra admissível a recusa na prestação de informações.

5 - Informações relativas ao modo como terão sido concretizadas avaliação de desempenho de docentes em determinados anos letivos, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que estamos em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional, sendo questões saudavelmente públicas, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, em homenagem aos princípios da transparência e da publicidade. *

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/fd25a0fdc6de21e9802583e60034dff0?OpenDocument&Highlight=0,UNIVERSIDADE

Recorrente: UMinho

Recorrido 1: Sindicato Nacional do Ensino Superior

(…)

I Relatório

A UM, no âmbito da Intimação para a prestação de Informações e Passagem de Certidões apresentada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior, tendente a que lhe fosse facultada “(...), no prazo máximo de 10 dias úteis, a totalidade da informação solicitada pelo requerente, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória” relativa à avaliação de desempenho dos docentes nos anos letivos de 2004 a 2010, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga, em 4 de outubro de 2018, através da qual foi julgado procedente o pedido de intimação, veio a Recorrer para esta Instância em 26 de outubro de 2018, no qual concluiu (…)

8. Em 08.08.2018, a CNPD respondeu à solicitação da Requerida quanto à divulgação dos elementos solicitados pela Requerente - cfr. doc. 1 junto a fls. 148 da numeração SITAF:

“Em resposta ao ofício acima referenciado, lamentando o tempo entretanto decorrido, informa-se que desde 25 de maio de 2018, com a aplicação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados - Regulamento (IJE) 2016.'679 RGPD, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) deixou de ter competência para autorizar os tratamentos de dados pessoas passando a recair sobre o responsável pelos tratamentos o dever de verificar se os mesmos cumprem os principias e regras de proteção de dados pessoais.

Assim, rio caso caberá á Universidade verificar se existe condição que a legitime a disponibilizar os dadas pretendidos a terceiros bem como que dados pessoais, de acordo com o principio da minimização dos dados (previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 5 do RGPD), podem ser disponibilizados

Não obstante, sempre se dirá que na medida em que aos sindicatos é reconhecida por lei a qualidade de interessado direto nos procedimentos (cf. n.º 1 do artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo) e que o n.º 6 do artigo 36 " da Lei 105/2009, de. 14 de setembro, lhes reconhece a legitimidade para aceder a informação dos trabalhadores, designadamente relativa a remunerações, admite-se que a informação relativa ao reposicionamento remuneratório, com identificação das docentes objeto de tal reposicionamento, possa ser tida como adequada, necessária e proporcional à finalidade visada com tal acesso por parte do sindicato requerente

Já a informação pessoal (i.e., em que os titulares sejam identificados ou identificáveis) relativa á avaliação de desempenho não parece ser estritamente necessária para o cumprimento de tal finalidade, pelo que, de acordo com o princípio da minimização dos dados pessoais, deve ser apenas fornecida a informação agregada (i.e., anonimizada ou estatística) dos resultados da avaliação de desempenho.

Apenas num segundo momento, na eventualidade de, na perspetiva, devidamente fundamentada, do sindicato requerente, haver discrepâncias ou indícios de qualquer irregularidade, poderá justificar-se a disponibilização de informação sobre as avaliações com identificação dos docentes a quem dizem respeito.”

(…) Refira-se desde já que, no essencial, se acompanha o raciocínio desenvolvido em 1ª instância, sendo que as informações solicitadas se mostram inócuas na perspetiva da publicitação de dados pessoais.

Desde logo e como consta do Parecer da CADA constante dos factos dados como provados “(...) a informação sobre se a requerida procedeu a avaliação de desempenho em determinados anos letivos, se na sequência da avaliação atribuiu pontos aos seus docentes, se em resultado daquela avaliação efetuou reposicionamentos remuneratórios, qual o número dos docentes e o montante afeto aos reposicionamentos, não configura dados pessoais.

Na realidade, o artigo 2.° da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, sob a epígrafe "Princípio da administração aberta" explicita que "1 - O acesso e a reutilização da informação administrativa são assegurados de acordo com os demais princípios da atividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares.

2 - A informação pública relevante para garantir a transparência da atividade administrativa, designadamente a relacionada com o funcionamento e controlo da atividade pública, é divulgada ativamente, de forma periódica e atualizada, pelos respetivos órgãos e entidades.

3 - Na divulgação de informação e na disponibilização de informação para reutilização através da Internet deve assegurar-se a sua compreensibilidade, o acesso livre e universal, bem como a acessibilidade, a interoperabilidade, a qualidade, a integridade e a autenticidade dos dados publicados e ainda a sua identificação e localização."

Como refere a mais conceituada doutrina (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, Coimbra Editora, em anotação ao n.º 2 do artigo 268.° da CRP, pág. 824), "(...) a constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da coletividade" pelo que mal se alcança como pode a aqui Recorrente alicerçar o seu entendimento no sentido de inviabilizar o requerido.

Efetivamente, não se estando em presença de matéria confidencial ou que se pudesse configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima, como seriam, por exemplo, os seus dados genéticos, de saúde ou que se prendessem com a sua vida sexual, bem como os relativos às suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que pudessem traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada, mas antes perante meros registos administrativos, é incompreensível a conduta adotada pela Universidade.

Como se afirmou sintomaticamente no Acórdão do TCAS, proferido em 19 de outubro de 2017, no Procº n.º 856/17.8BELRA, "(...) Nos termos dos artºs 35.°, n.ºs 1 a 7, 268º, n.ºs 1 e 2, da CRP, e dos artºs 82º a 35º, do CPA, o administrado (particular e/ou interessado) tem direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o que constitui um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, consagrados nos art.ºs 172 e 189 da CRP, cujo regime está estabelecido em termos amplos, consubstanciando o princípio do chamado arquivo aberto, que só pode ser restringido na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.

Como afirma a CADA em documento junto aos Autos, "As listas às quais o acesso é pretendido publicitam decisões de âmbito remuneratório, emanadas de órgão de entidade financiada por verbas públicas. Tais decisões consubstanciam atos administrativos em matéria de gestão orçamental, financeira e de recursos humanos, determinados ope legis, em resultado de procedimento administrativo de avaliação de desempenho previsto na lei e em regulamento interno da escola - cf. art.° 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e n.º 6 do art.° 47.° e art.° 113.° da Lei n.º 12-A/ 2008, de 27 de fevereiro (Lei que regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), então em vigor ex vi subalínea da alínea b) do n.º 1 do art.° 18.° da Lei n.º 64-A/ 2018, de 31 de dezembro, e art.° 18.° da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2018)."

Mais aí lucidamente se afirma que "(...) a publicitação da informação relativa à posição remuneratória dos trabalhadores que exercem funções públicas constitui um imperativo legal, corolário dos princípios da legalidade, da igualdade e da transparência da atuação administrativa, da administração aberta, da participação dos cidadãos na vida pública, da justiça e da imparcialidade, todos constitucionalmente consagrados (cf. art°s. 3.°, 13.º, 48.°, 266. ° e 268.º).”

As requeridas informações relativas ao modo como terão sido concretizadas as avaliação de desempenho dos docentes nos identificados anos letivos, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que estamos em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional, sendo questões saudavelmente públicas, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, em homenagem aos princípios da transparência e da publicidade.

Como adequadamente se afirmou na decisão Recorrida, "Pela jurisprudência tem vindo a ser entendido que documentos nominativos são os que digam respeito à intimidade da vida privada, a qual abrange os aspetos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas (acórdão do STA de 24.01.2012, proferido no processo 0668/ 11) e, bem assim, pela CADA de que são de classificar como documentos nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres n° 212/2005, de 31/8, n° 67/2007, de 21/3, 357/2007, de 19/12, n° 224/2009, de 9/9 e 347/2009, de 2/ 12).".

Mais se afirma na decisão Recorrida que "Mediante esta breve explanação, atendendo ao teor das informações que a Requerente pretende aceder, constata-se, sem dificuldade, que não está em causa qualquer documento nominativo, no sentido e, que tem vindo a ser entendido. A Requerente pretende obter informações quanto a avaliações de desempenho e consequentes reposicionamentos remuneratórios dos docentes que desempenham funções na Requerida, o que não contende com o foro íntimo dos visados."

Em termos de legitimidade, é manifesto que o Sindicato carecerá das informações requeridas para que, no interesse dos seus representados/associados, possa zelar pelo adequando cumprimento dos normativos legalmente aplicáveis, no caso, face às matérias conexas com o reposicionamento remuneratório decorrente da avaliação de desempenho que a LOE/2018 veio viabilizar.

Em decorrência de tudo quanto precedentemente ficou expendido, entende este Tribunal de Recurso que estão preenchidos todos os requisitos/pressupostos para que devesse ter sido satisfeito o requerido, em face do que não merece censura a sentença recorrida, proferida no Tribunal a quo, a qual assegura o requerido direito à informação.

* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Porto, 25 de janeiro de 2019