Licínio Chainho Pereira, professor catedrático emérito da Escola de Ciências e antigo reitor, é o convidado do ciclo de entrevistas com membros da comissão instaladora da UMinho.

"Ajudar a construir a UMinho valeu muito a pena"

chainho1

É uma presença assídua nas principais cerimónia da academia

chainho2

Com Sérgio Machado dos Santos no Encontro "As novas tarefas dos professores e políticas de formação", em maio de 1978, no edifício da Abade da Loureira, Braga

chainho3

Posse de Chainho Pereira e José Lopes Nunes como membros da Comissão Instaladora da UMinho, a 23 de outubro de 1981

chainho4

Momento da tomada de posse de Chainho Pereira como vice-reitor, a 10 de março de 1983, também no edifício do Largo do Paço, em Braga

chainho5

Cerimónia de tomada de posse de Sérgio Machado dos Santos como reitor, a 29 de maio de 1987

chainho6

Chainho Pereira a tomar posse como reitor, a 20 de julho de 1998, no Largo do Paço

chainho7

O físico inglês Michael Lumb a intervir no "Simpósio Carlos Lloyd Braga", em outubro de 1998, no salão nobre da UMinho, ladeado pelos professores Sérgio Machado dos Santos, José Veiga Simão, Eduardo Marçal Grilo e Chainho Pereira

chainho8

José Saramago, Nobel da Literatura 1998, com uma medalha de recordação da UMinho, numa sessão a 26 de fevereiro de 1999, no campus de Gualtar, ladeado por Vítor Aguiar e Silva, Chainho Pereira e José Manuel Mendes

chainho9

Com o Presidente da República, Jorge Sampaio, e o rei e rainha de Espanha, na inauguração da "Exposição de Arte Sacra Galega", a 14 de setembro de 2000, em Braga

chainho10

Aula inaugural do curso de Medicina da UMinho, a 8 de outubro de 2001, com Sérgio Machado dos Santos, António Correia de Campos, António Guterres, Chainho Pereira, Júlio Pedrosa, José Mariano Gago e Joaquim Pinto Machado

Inauguração do Pavilhão Desportivo e da Escola de Ciências em Azurém, com o governador civil Luís Cirilo, o autarca vimaranense António Magalhães, o ministro Pedro Lynce, o reitor Chainho Pereira e o diretor dos SASUM, Armando Osório

Como presidente da Comissão de Ética da UMinho, a intervir na "Jornada de Sensibilização e Debate sobre a Integridade Académica", a 2 de outubro de 2013, no auditório B2 do campus de Gualtar, Braga

Nasceu em Grândola, no distrito de Setúbal, e formou-se em Engenharia Químico-Industrial no Instituto Superior Técnico (IST).

Sim, em 1965. Fui então convidado para assistente de Física. Havia falta de docentes, mas também de dinheiro. O professor António da Silveira, a grande “fera” do Técnico, estava atento aos melhores alunos e fui surpreendido com o convite. Mas o ordenado não cobria a renda de casa. Entretanto, o professor Joaquim José Barbosa Romero convidou-me para trabalhar na sua empresa de produtos finos farmacêuticos, a “Orfina”. Ele tinha-me dado Análise Química no final do curso, tal como Carlos Lloyd Braga, que foi meu professor de Física Atómica no 1º ano. Quem diria, ambos seriam mais tarde reitores da UMinho. Mantivemos uma boa relação desde aí. Além disso, eu também trabalhava como voluntário no complexo interdisciplinar, com o professor Manuel Laranjeira, mais tarde reitor da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Ah, e o professor Armando Sampaio desafiou-me para ir investigar para a Junta de Energia Nuclear...

De repente, teve várias possibilidades de emprego.

Exato. O professor José Veiga Simão convidou então Lloyd Braga para a futura Universidade de Lourenço Marques - ULM [atual Maputo, Moçambique]. Ele anuiu e levou dois assistentes para a Física: eu e o professor Luís Sousa Lobo, formado um ano antes em Engenharia Química, também no IST.

Porque aceitou?

Lourenço Marques era um projeto muito apetecível. Era com Veiga Simão, para começar. Não sabíamos o que ia dar, dada a indefinição política; a esperança é que iria ser, e foi, uma grande universidade. Comecei no ano letivo de 1966/67, ficando os primeiros meses na Química, por escassez de pessoal. Os professores Romero e Sampaio vieram pouco depois, logo todos os meus potenciais patrões juntaram-se ali! [risos] Veiga Simão procurava bons professores doutorados e jovens ou que se quisessem doutorar no exterior. Assim sendo, fui em 1969 doutorar-me para a Universidade de Nottingham [Reino Unido] e voltei três anos depois, já como professor auxiliar da ULM. Entretanto, a UMinho foi criada em agosto de 1973, Lloyd Braga foi convidado para seu primeiro reitor e tomou posse em dezembro, a Comissão Instaladora tomou posse em fevereiro de 1974 e as primeiras aulas ocorreram no fim de 1975.

Ainda na ULM, que diferenças havia face a Portugal?

Aquela universidade lançou os primeiros cursos em 1962/63 e, quando cheguei para dar aulas, ainda não havia alunos licenciados, portanto senti-me quase um cofundador. Mas a dinâmica era outra, havia dinheiro para equipamentos, edifícios e vontade política. Adriano Moreira foi ministro do Ultramar e deve ter dito a Oliveira Salazar que era preciso investir para as coisas avançarem. Ao fim de três anos, eu sentia que, na investigação, estávamos melhor do que em Portugal em matéria de equipamentos. Os doutoramentos em Portugal demoravam sete, oito, dez anos. Em 1969, eu e Lloyd Braga fomos os primeiros portugueses a publicar na Transactions of the Faraday Society, uma revista internacional de topo, em coautoria com o colega inglês Michael Lumb, que se havia juntado a nós em Lourenço Marques.

Gostava de viver em Lourenço Marques?

Toda a gente gostava. Era uma vida mais livre, com mais espaço, oportunidades, as pessoas conheciam-se melhor e não havia mesquinhez nem competição por um lugar. Havia mais entretenimento, desporto, a cidade tinha uma pujança extraordinária. Quando regressei de Inglaterra também havia muito mais alunos na ULM.

"Senti na pele a dificuldade de querer vir para a 'metrópole'"

Lloyd Braga veio para a UMinho e convidou muitas pessoas da ULM.

Equipas em quem confiava, tanto de funcionários como professores de vários departamentos. Fui convidado para criar o Departamento de Física na UMInho. E senti na pele a dificuldade de querer vir para a “metrópole”.

Porquê?

Deu-se o 25 de Abril de 1974. Estava em Lisboa a organizar uma conferência internacional na Fundação Gulbenkian. Vim a Portugal trazer a família em agosto e decidi que voltava a Lourenço Marques em outubro para fazer os exames aos meus alunos, para não perderem o ano. Mas se a revolução portuguesa aqui andava muito depressa, lá ainda era mais frenética. Quando lá cheguei ao aeroporto havia grande aparato, tudo fardado e com espingardas, puseram-nos num autocarro e íamos deitados nos bancos até um hotel qualquer, com um jipe com tropa à frente… O clima estava tenso, naquelas semanas houve tentativa de assalto à Rádio Clube de Moçambique e morreu gente após um conflito entre paraquedistas portugueses e a FRELIMO. Fiz os exames e avisei que vinha embora. Só que o Movimento das Forças Armadas demitiu os reitores das universidades em Lourenço Marques e Luanda [Angola], que foram substituídos pelo professor decano respetivo. No meu caso, era o professor J. Correia Neves, que me impediu de voltar.

Como assim?

Alegou que fiz doutoramento e assinei um compromisso em como ficaria ali mais três anos. Eu na verdade não havia assinado nada e, então, saiu uma lei, não sei se por minha causa, mas que me fazia ir a tribunal e pagar mais de 500 contos. Não sei como faziam as contas, porque eu até tinha estado fora com uma bolsa da Fundação Gulbenkian, que nada tem a ver com o Governo, e tive ainda a primeira bolsa que a NATO atribuiu para investigação a Sul do Equador, que pus à disposição da ULM. Quando outros colegas meus souberam da situação, arranjaram subterfúgios para virem para Portugal, como fazerem provas académicas, e os que se estavam a fazer doutoramento fora já não regressaram. Fiquei até ao Natal e o juiz que tratou o meu caso ilibou-me. Nesses dias, Correia Neves veio a Coimbra às provas de agregação do meu colega Sousa Lobo. O vice-reitor que o substituiu na ULM aceitou despachar o meu processo. Correia Neves soube que cheguei a Braga num telefonema de Lloyd Braga e soube pelo jornal, no seu regresso, no aeroporto de Lourenço Marques, que fora demitido de reitor.

As primeiras eleições para reitor

Qual foi a sua primeira tarefa para a UMinho?

Já era consultor da UMinho ainda em Lourenço Marques. Estávamos talvez em junho de 1974. Aliás, fizemos lá algumas reuniões para preparar os planos de estudos. Eu era representante para a Física, o professor Barbosa Romero para a Engenharia. No meu primeiro relatório idealizei a instalação do laboratório de Física e os equipamentos necessários. Comecei como funcionário da UMinho em janeiro de 1975. Entretanto, o ministro e professor Magalhães Godinho não era entusiasta das novas universidades. Foi uma razão para iniciarmos o ano letivo logo em 1975, senão ainda fechávamos antes de abrir… Adquiriu-se o nº 88 da Rua D. Pedro V, hoje sede da Associação Académica [AAUM], e começou-se a construir pavilhões junto à Rodovia. As primeiras aulas foram na D. Pedro V e no Largo do Paço, dei aí aulas no salão medieval e no atual Gabinete de Comunicação… Os reitores foram demitidos após o 25 de Abril, mas Lloyd Braga não, talvez por não termos ainda alunos. Noutras academias, os alunos reivindicavam e manifestavam-se. Lembro-me que na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga queriam a integração na UMinho.

Depois, Lloyd Braga saiu para ministro da Educação, Cultura e Desporto e para fundar a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da UNL…

…e o professor Romero ficou como reitor interino. Falava-se que o ministro da Educação e Universidades, Vítor Crespo, poderia indicar como reitor o professor José Lopes Nunes, que era de Coimbra. Fizemos eleições para reitor na UMinho. Éramos poucos, mas já enchíamos o salão medieval, sendo que toda a gente votava em três nomes para reitor. Lloyd Braga chamou todos: os funcionários tinham uma percentagem de voto, os professores doutorados outra e no final fazia-se as contas. Os professores Romero e Lloyd Braga não eram elegíveis. Certo é que o professor Lopes Nunes teve muitos votos, mas o mais votado foi o professor Lúcio Craveiro da Silva e isso gerou certa pressão. O professor Lúcio era realmente de consensos e com grande capacidade humana. Não havia tradição de eleger o reitor em Portugal, mas terá dito ao ministro: “Só aceito se for assim, porque estamos num regime diferente”. Na verdade, foi o primeiro reitor eleito das universidades portuguesas. Antes de o ser, ficou à frente da Comissão Instaladora da UMinho e convidou-me a mim e ao professor Lopes Nunes, fomos os últimos a ser aí integrados [esse órgão extinguiu-se dois meses depois, em dezembro de 1981]. O professor Lúcio conhecia-me bem do Conselho Científico, eu era escolhido para fazer vários documentos de planeamento científico. Além disso, quis-me a coordenar um projeto de educação de adultos, financiado pela Swedish International Development, da Suécia, para o qual convidei depois o professor Licínio Lima, que é hoje uma autoridade na área.

O professor Lúcio disse nas suas Memórias que Vítor Crespo sugeriu outros vice-reitores, um da Mineralogia e outro da Geologia.

Sim, mas o professor Lúcio queria professores de Engenharia para construir a universidade. Decidiu escolher o professor João de Deus Pinheiro, que já estava no Gabinete Executivo das Instalações Definitivas (GEID), e o professor Sérgio Machado dos Santos, que foi presidente do Conselho Científico, cargo que eu ocupei quando ele passou a exercer o cargo de reitor. Entretanto, o professor Lúcio atingiu os 70 anos em novembro de 1984 e houve eleições, já normais. Deus Pinheiro estava mais bem posicionado politicamente. Foi reitor até 1985, saiu para ministro da Educação e Cultura. Machado dos Santos passou de vice-reitor para reitor interino e eu fiquei como único vice-reitor, acumulando os respetivos pelouros.

Entretanto, também esteve no Instituto Politécnico de Faro.

O professor Lloyd Braga concluiu a instalação da FCT-UNL e – penso que ainda com o ministro Vítor Crespo – foi convidado para presidir a Comissão Instaladora do Politécnico de Faro. Lloyd Braga queria uma pessoa de confiança e chamou-me, até porque sou do Alentejo e a minha mulher do Algarve. Também foi o professor Luís Santos Soares, da Escola de Engenharia. Era outra aventura em que nos metíamos, mas disse que seria por pouco tempo, para deixar as coisas encaminhadas. O professor Lúcio aceitou e eu estive entre cá e lá, salvo erro, de junho de 1982 a fevereiro de 1983 [presidi também à Escola Superior de Tecnologia daquele Instituto Politécnico].

Gostou da experiência?

Gostei. Nunca tinha estado ligado a um politécnico. Avançámos depressa. O Ministério da Educação já tinha adjudicado obra, com apoio do Banco Mundial, porque se não se fizesse perdiam dinheiro. Na altura não havia União Europeia.

Estava a coordenar as unidades culturais da UMinho desde 1983, no fundo, e ficou também responsável pelo setor da investigação e desenvolvimento entre 1985 e 1998.

Sim, quando se percebeu que o professor João de Deus já não vinha, fiquei com a ciência, a internacionalização e os projetos europeus, para conseguirmos financiamento. Eu estava atento aos concursos competitivos do Programa Ciência e do PRAXIS na JNICT, hoje Fundação para a Ciência e a Tecnologia, do Programa Operacional da Educação (PRODEP), do V Programa-Quadro e negociava contratos com empresas, a Associação das Universidades da Região Norte (AURN) em Bruxelas [Bélgica]. Machado dos Santos dizia que o dia a dia de reitor não permitia essas viagens quase diárias e lá ia eu reunir, arranjar parcerias. Criaram-se também instituições de interface na UMinho, em Braga e Guimarães. Por exemplo, em polímeros, com os professores António Cunha e Carlos Bernardo. Nessa fase tínhamos 35% de verbas próprias por via da investigação. Sem a UE, dificilmente a UMinho seria o que é hoje. Já o pelouro das unidades culturais passou em 1990 para Vítor Aguiar e Silva, um dos valores maiores desta universidade, que continuou como vice-reitor na minha equipa.

Apostar na pós-graduação, na investigação e na internacionalização 

A UMinho estava a crescer.

Quando eu entrei, o que queríamos era melhorar e diversificar. Em 1994/95 fomos até pioneiros num programa europeu de qualidade de universidades. Já tínhamos 16.000 alunos e a minha política como reitor [em 1998-2002] era continuar a internacionalização o mais possível, apostar numa universidade de investigação e, analogamente, começar a dar preferência à pós-graduação face à graduação. Propusemos aos gestores dos mestrados que as propinas que obtivessem faziam parte do seu orçamento. Isso multiplicou os mestrados, inclusive criados em conjunto com outras universidades estrangeiras e nacionais. Conseguimos estendê-los a Maputo (foi quando lá voltei) e coordenei o programa europeu Alfa, uma espécie de Erasmus para a América Latina, fez-nos chegar a mais de 50 universidades, nomeadamente em Santa Catarina, no Brasil. Também havia dinheiro do PRODEP para doutoramentos.

Inaugurou edifícios?

A Escola de Ciências da Saúde, mais tarde Escola de Medicina, e a Escola de Ciências em Guimarães, por exemplo. A Escola de Arquitetura estava a terminar, mais tarde viriam a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, os alunos de Enfermagem… Insisti com a tutela para criar um diploma de todo o nosso património imóvel, desde escrituras a registos, como o edifício da Abade da Loureira [hoje Arquivo Distrital de Braga], que nos pediram para ocupar após o 25 de Abril, apagando o simbolismo fascista de ter sido a cantina da Legião Portuguesa. Tivemos igualmente a doação dCasa de Monção, pela D. Teresa Salgueiro, que veio ver muitas vezes como funcionava a Casa Nogueira da Silva e como respeitamos a memória do espaço e o transformamos num projeto cultural.

Que balanço faz dos programas de internacionalização e cooperação?

A universidade criou aí as sementes, as potencialidades, os hábitos e, digamos, as metodologias para continuar depois com uma dinâmica maior, porque hoje é conhecida na Europa e nos rankings! E isso deve-se muito à relação universidade-empresa, aos fundos europeus e à internacionalização dos projetos de investigação, de ensino e dos alunos. 

Medicina e História ambicionados desde a fundação

Nessa altura foi também responsável pelo lançamento do CIFOP (Centro Integrado de Formação de Professores).

Sim. Vim do Algarve e o professor Machado dos Santos, vice-reitor e sobrecarregado com a investigação e outras áreas, deu-me uma pasta enorme: “Tens que passar a fazer isto”. Foi algo que encarei com à-vontade, porque no Politécnico de Faro tinha trabalhado com o professor Marçal Grilo, que coordenava projetos educativos do Banco Mundial, criou os politécnicos e era com quem se falava para definir políticas e financiamentos. Curiosamente, também foi ministro quando fui reitor. Conseguimos alguns equipamentos e dinheiros para o CIFOP por via do Banco Mundial. Estávamos em 1983/84, antes da CEE.

Teve igualmente um papel ativo na elaboração dos Estatutos de 1989.

Penso que era um dos coordenadores. Vínhamos a discutir os Estatutos desde 1983. Antes do professor João de Deus Pinheiro ir para ministro, deixou-me um calhamaço escrito à mão por ele, que acabámos por adaptar e discutir muito.

Foi um trabalho…

Sim. Outro trabalho interessante foi em 1988/89. Roberto Carneiro era ministro da Educação e veio reunir com o reitor [Machado dos Santos] e comigo. Tínhamos 6000 alunos e estivemos que queríamos chegar a 8000 para o ano. Roberto Carneiro subiu, sem discussão, para 10.000, que contava com a UMinho. Ficámos a pensar naquilo. Entretanto, peguei em estudos da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e fiz um modelo a comparar por distrito o número de alunos por milhão de habitantes… concluí que deveríamos ter 12.000 e enviei ao reitor. Estávamos subdimensionados, Braga era o distrito mais jovem do país. Precisávamos de expandir e com qualidade, a nossa oferta era inferior à procura.

E a Medicina?

Com o professor Sérgio Machado dos Santos foi criada a Escola de Ciências da Saúde. Quando cheguei a reitor, era preciso concretizar o financiamento e negociei o contrato-programa precisamente com o ministro Marçal Grilo. O curso arrancou em 2001, na parte baixa do campus de Gualtar [atuais Serviços Académicos], mas já havia luz verde e programação para o futuro edifício mais acima. Foi dos trabalhos que mais me entusiasmou. Era uma escola nova, com dinâmica muito importante e precisávamos de provar que ia ser melhor por várias razões. O professor Pinto Machado dizia-o desde a Comissão Instaladora, mas na altura a Medicina foi chumbada.

Porquê?

Talvez por causa da influência política de se criar um segundo curso de Medicina no Porto, neste caso no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Tivemos que mostrar que seríamos diferentes e criámos também uma comissão internacional de peritos. O professor Sérgio Machado dos Santos veio a presidir a Escola, após a sua saída de reitor. Cecília Leão saiu da Biologia e veio para vice-presidente. Houve cuidado em seguir o modelo do professor Pinto Machado. Hoje é das Escolas médicas mais conceituadas.

As relações com a Universidade do Porto (UP) foram positivas?

Sim. Alberto Amaral era reitor da UP e foi meu colega em Lourenço Marques. Por exemplo, na AURN trabalhava-se em conjunto nos fundos europeus, penso que o AvePark nasceu daí, por exemplo. Não havia o “estamos em competição”. Claro que os grupos de investigação tentavam firmar-se, uns de um lado e outros de outro.

Além da Medicina, História era um projeto inicial.

Eram dois grandes projetos pensados desde cedo. O de História justificava-se pela própria história de Braga e da sua ligação à Arqueologia, ao Arquivo Distrital, à Biblioteca PúblicaEstava bem feito e envolveu o famoso professor José Mattoso, mas foi chumbado à primeira tentativa. Entretanto, António Brotas passou a ministro e definiu-se que era preciso apostar mais em bacharelatos para formação de professores. Quando Lloyd Braga foi para ministro, foram aprovados vários cursos de formação.

Como definiria Lloyd Braga?

Um gentleman empreendedor que sabe viver, sabe falar, sabe seduzir. Antes da reunião, as pessoas podiam estar contra ele, mas saíam de lá a concordar. Era político sem ter ido para a política, tinha uma grande visão sobre o sistema do ensino superior e a investigação em Portugal. Tinha uma ideia e sabia defender e definir muito bem os seus prós. Penso que, sem ele, a UMinho dificilmente teria sido universidade. Entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro tivemos uns seis ministros da Educação e ele dava-se bem com todos.

E Veiga Simão?

É das pessoas em Portugal que mais percebia da Educação da era moderna. Tinha uma ideia clara do que devia ser uma universidade a sério. Os colegas do executivo chumbaram-lhe o projeto das novas universidades [Minho, Aveiro, Évora e Nova de Lisboa], mas o primeiro ministro Marcello Caetano ter-lhe-á dito no mesmo dia para avançar na mesma, reconhecendo que o seu projeto era muito sólido. Podemos agradecer a Marcello, foi crucial para compreender que ia haver uma nova era para as Universidades.

Apostar na pós-graduação, na investigação e na internacionalização 

A UMinho estava a crescer.

Quando eu entrei, o que queríamos era melhorar e diversificar. Em 1994/95 fomos até pioneiros num programa europeu de qualidade de universidades. Já tínhamos 16.000 alunos e a minha política como reitor [em 1998-2002] era continuar a internacionalização o mais possível, apostar numa universidade de investigação e, analogamente, começar a dar preferência à pós-graduação face à graduação. Propusemos aos gestores dos mestrados que as propinas que obtivessem faziam parte do seu orçamento. Isso multiplicou os mestrados, inclusive criados em conjunto com outras universidades estrangeiras e nacionais. Conseguimos estendê-los a Maputo (foi quando lá voltei) e coordenei o programa europeu Alfa, uma espécie de Erasmus para a América Latina, fez-nos chegar a mais de 50 universidades, nomeadamente em Santa Catarina, no Brasil. Também havia dinheiro do PRODEP para doutoramentos.

Inaugurou edifícios?

A Escola de Ciências da Saúde, mais tarde Escola de Medicina, e a Escola de Ciências em Guimarães, por exemplo. A Escola de Arquitetura estava a terminar, mais tarde viriam a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, os alunos de Enfermagem… Insisti com a tutela para criar um diploma de todo o nosso património imóvel, desde escrituras a registos, como o edifício da Abade da Loureira [hoje Arquivo Distrital de Braga], que nos pediram para ocupar após o 25 de Abril, apagando o simbolismo fascista de ter sido a cantina da Legião Portuguesa. Tivemos igualmente a doação da Casa de Monção, pela D. Teresa Salgueiro, que veio ver muitas vezes como funcionava a Casa Nogueira da Silva e como respeitamos a memória do espaço e o transformamos num projeto cultural.

Que balanço faz dos programas de internacionalização e cooperação?

A universidade criou aí as sementes, as potencialidades, os hábitos e, digamos, as metodologias para continuar depois com uma dinâmica maior, porque hoje é conhecida na Europa e nos rankings! E isso deve-se muito à relação universidade-empresa, aos fundos europeus e à internacionalização dos projetos de investigação, de ensino e dos alunos.

"A cultura é inseparável da missão da Universidade"

Que pensa do modelo de Grupo de Projetos para a UMinho?

A ideia foi talvez do professor Romero. Nasceu num regime de poupança, de otimização de recursos. Do ponto de vista conceptual apontava para mais interdisciplinaridade, um professor ser mais completo e adaptar-se se não tivesse lugar numa zona para dar aulas (na investigação é diferente, tem de ser mesmo de certo domínio). O modelo não foi fácil de implementar, teve muita gente contra, principalmente quem veio de Coimbra e Lisboa, habituada ao modelo das faculdades. Mas na UMinho funcionou. Tinha anfiteatro e salas para eu da Física, Hernâni Maia da Química e o colega da Matemática darmos aulas no mesmo edifício. O contínuo, o assistente para buscar giz, ou para a limpeza era para a mesma pessoa. Ainda se aceita que o modelo tem potencialidades, mas a tendência é para acabar, à medida que houver mais meios e desenvolvimento.

E a questão do modelo matricial?

É o mesmo. No fundo, o Grupo de Projetos era uma matriz em que tinha, por exemplo, os projetos na vertical e os recursos na horizontal… Os recursos são professores, equipamentos, espaços... Foi um modelo lógico e operacional. Mas à medida que a universidade se desenvolveu criou-se os grupos e – acabámos por assim chamar – os departamentos. Nos Estatutos foi uma luta conciliar ideias do grupo matricial com as anglo-saxónicas. E quando chamamos unidades de ensino e unidades de investigação, era impercetível por muitas pessoas de fora…

Como equaciona o papel das unidades culturais?

O termo “unidades culturais” apareceu na feitura dos estatutos. Criou confusão em algumas unidades, porque cultura também é Filosofia, Música, Arquitetura… Depois havia o Conselho Cultural… bem, mantivemos o nome devido à dinâmica que criaram e à influência com o exterior. A Unidade de Arqueologia funcionava bem com as Câmaras e com Lisboa, a Educação de Adultos foi uma novidade em Portugal e, por outro lado, fomos a única universidade a assumir uma Biblioteca Pública e Arquivo Distrital - aliás, o Decreto-Lei 402/1973 já o diz. Mais tarde veio a Casa Museu de Monção e a Casa Nogueira da Silva, onde se criou o Museu, o Centro de Estudos Lusíadas e, nos dois edifícios ao lado, colocámos a Unidade de Arqueologia [hoje no Edifício dos Congregados, em frente] e as Ciências Sociais [hoje com edifício próprio em Gualtar]. A cultura é inseparável da missão de qualquer universidade.

Que visão tem da universidade entre Braga e Guimarães?

A minha ideia, também de Lloyd Braga, é que quando houvesse capacidade de desenvolvimento Guimarães merecia mais valências. A dada altura, ele disse que só ficava no entendimento que o polo de Guimarães tenderia para uma universidade, senão era contra as ideias da Comissão Instaladora. Foi-se criando em Guimarães o mais óbvio daquela zona, como a Civil, as Engenharias em geral, a Geografia, a Arquitetura…

Olhando para o tempo dedicado à construção da universidade, acha que valeu a pena?

É óbvio que valeu muito a pena, mas só vestindo a camisola da universidade naqueles anos 70/80/90 e não pensar em sábados e domingos. Era dedicação exclusiva e a ir para os centros de poder em Lisboa e Bruxelas. Acho que a UMinho foi criada assim, com homens e mulheres que apostaram muito nisto, na investigação, nos projetos e, mesmo que alguns não concordassem, houve sempre um elo, a universidade estava acima das ideias de cada um. Talvez porque Lloyd Braga conseguiu impor essa ideia de início. Realmente, a UMinho continua com uma dinâmica extraordinária.

Entrevista realizada por Fátima Moura Ferreira e Márcia Oliveira, no âmbito do livro dos 40 anos da UMinho, sendo aqui abreviada por Nuno Passos

28-01-2020 | Fotos: Nuno Gonçalves

NÓS - Jornal Online da UMinho | nº 93 | janeiro'2020