Reitor da Universidade de Lisboa arrasa política do Governo na despedida de Marcelo

“Manifestamente pouco avisada”, foi como o reitor classificou “a estratégia política” do ministro da tutela, que culpou diretamente pela perda, este ano, de 1066 vagas nas universidades de Lisboa e do Porto

A última aula de Marcelo Rebelo de Sousa ficará ligada a um arraso, por parte do reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, à política do Governo de António Costa, nomeadamente ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.

O ministro não esteve presente na sessão de abertura do ano académico que coincidiu com a última aula de Marcelo Rebelo de Sousa. Coube ao ministro da Educação, ao ministro do Planeamento e à ministra do Mar, presentes na sala, ouvirem o recado enviado pelo reitor em voz alta na presença do Presidente da República.

"Manifestamente pouco avisada", foi como o reitor classificou "a estratégia política" do ministro da tutela, que culpou diretamente pela perda, este ano, de 1066 vagas nas universidades de Lisboa e do Porto. Mas António Cruz Serra não se ficou pela redução de vagas que associou à política de alegada valorização do interior.

O reitor criticou duramente a falta de financiamento para a Universidade e o que considera ser um ataque à autonomia universitária. O ataque chegou ao ponto de Cruz Serra ver na política do setor medidas que fazem "tábua rasa do texto constitucional" e que "ferem violentamente" a herança deixada por Mariano Gago, o ministro da Ciência no Governo socialista de António Guterres.

Medidas revelam “total desconsideração pela autonomia universitária"

Em causa estão "muitas medidas legislativas recentemente tomadas em total desconsideração pela autonomia universitária", começando pela que resulta "da contratação sem concurso do pessoal docente e investigador".

"Por imposição legal, as universidades têm agora de abrir concursos para pessoas determinadas adaptando no edital a descrição do lugar posto a concurso ao perfil do candidato pré escolhido", denunciou o reitor, confessando "não ver medida que mais violentamente fira o legado de José Mariano Gago que, contra a endogamia, soube construir um sistema científico baseado no recrutamento por mérito, através de concursos internacionais".

O encerramento de vagas foi outro ponto detalhadamente desmontado por Cruz Serra: "Não podemos compreender que o nosso Ministério force as melhores universidades a fechar as suas portas a excelentes estudantes quando tinham todas as condições para os receber". Embora compreendendo a intenção de valorizar as instituições universitárias do interior, o reitor mostrou com números o falhanço da aposta: "As instituições de Lisboa e do Porto perderam este ano, por imposição governamental, 1066 vagas enquanto as 31 instituições do Algarve, ilhas, Coimbra, Aveiro e Minho receberam apenas mais 98 alunos do que no ano anterior"

O descrédito apontado à política do Governo não podia ser maior. "Nunca será com medidas destas, que impedem os jovens de estudar nas universidades mais prestigiadas do país e melhor qualificadas nos rankings internacionais, que promoveremos o interior do país", concluíu o reitor.

Campanha político-sindical de ataque aos reitores

Cruz Serra não se ficou por aqui, num discurso que proferiu ao lado do Presidente da República e em que não deixou incólume nenhuma das vertentes da política para a Ciência e Ensino Superior. Ainda falou de "uma inexplicável campanha político-sindical de ataque aos reitores e aos dirigentes das escolas com o objetivo de as fazer recuar no objetivo da autonomia bem como da sustentabilidade financeira da universidade pública, acenando com a ilusão de recursos financeiros que nunca existiram".

Com o Orçamento de Estado para 2019 em preparação, o reitor denunciou a ausência de recursos para responder aos contratos precários: "Não há um cêntimo nas dotações orçamentais propostas para a regularização dos vínculos e só na Universidade de Lisboa os encargos daí resultantes representam cinco milhões de euros", afirmou, com um aviso: "O não financiamento destes contratos é uma violação do acordo assinado entre o Governo e as Universidades públicas, como o é, também, o congelamento do valor das propinas sem o consequente reforço orçamental para as universidades".

Embora tenha manifestado confiança e esperança no "senhor ministro Mário Centeno", Cruz Serra não podia ter sido mais duro para o Governo e a sala, repleta de alunos, professores e investigadores, rebentou em aplausos.

Marcelo Rebelo de Sousa ouviu em silêncio, ora com sorrisos, ora com um semblante grave. Foi o Presidente quem, recentemente, alertou para a urgência de reforçar as dotações orçamentais para dar resposta ao mau estado das residências universitárias e aos elevados valores que os estudantes têm que pagar quando alugam um quarto.

Na alameda da Universidade de Lisboa, uma manifestação de alunos alertava para isso mesmo, com cartazes a preceito: "As politicas publicas de cortes geraram por todo o país uma situação catastrófica para estudantes, famílias e instituições do ensino superior público".

Ângela Silva 20/09/2018  Expresso