Parecer n.º 30/2018 - Diário da República n.º 27/2019, Série II de 2019-02-07  

Ministério Público - Procuradoria-Geral da República

Licitude e consequências da greve decretada pelo Sindicato Nacional dos Registos

Parecer n.º 30/2018

Greve "self-service" - Aviso Prévio - Greve Surpresa

1.ª Da nota de imprensa, emitida pelo Sindicato Nacional dos Registos em 1 de outubro de 2018, resulta que a greve dos trabalhadores dos registos públicos decretada para o período compreendido entre as 00 horas e as 24 horas dos dias 1 de outubro a 31 de dezembro de 2018, seria realizada por cada trabalhador no dia ou dias por eles escolhidos, situados no período acima referido, segundo o seu arbítrio.

2.ª A esta ação de protesto, denominada como "greve self-service", não corresponde um exercício conjunto e comparticipado, pelo que lhe falta uma caraterística identitária essencial das ações de greve juridicamente reconhecidas que é a existência de uma ação concertada por parte dos trabalhadores.

3.ª A comunicação constante da referida nota de imprensa revelou que o aviso prévio anteriormente emitido omitia informação relevante sobre o modo como a greve se iria desenrolar.

4.ª Contudo, uma "greve self-service" frustra sempre qualquer um dos principais objetivos visados com a exigência do aviso prévio, independentemente da fidelidade informativa do seu conteúdo.

5.ª Daí que, neste tipo de ação, o aviso prévio não tem qualquer utilidade, não desempenhando a função para a qual foi imposto, uma vez que não consegue impedir que ocorram paralisações inesperadas, pelo que a "greve self-service", integra a categoria das "greve surpresa", a qual, foi legitimamente excluída pelo legislador ordinário das greves juridicamente reconhecidas e garantidas pelo artigo 57.º da Constituição, ao exigir uma comunicação antecipada dos termos em que uma greve se vai realizar.

6.ª Por estas razões deve a greve dos trabalhadores dos registos públicos, decretada pelo Sindicato Nacional dos Registos para o período compreendido entre um 1 de outubro e 31 de dezembro de 2018, ser considerada um movimento de protesto ilícito.

7.ª Sendo esta ação ilícita, não são os trabalhadores, individualmente considerados, titulares de um direito a fazer greve, não podendo por isso faltar ao trabalho com fundamento no exercício desse direito.

8.ª O artigo 541.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, m), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, dispõe que a ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada.

9.ª A falta injustificada, além do desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade, determina a qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente possibilidade de aplicação de uma sanção, a qual variará consoante o número de dias de falta e outras circunstâncias que influam na gravidade do comportamento do trabalhador, podendo ser ponderado o eventual desconhecimento desculpável pelo trabalhador do caráter ilícito da greve como fundamento para a não aplicação de qualquer sanção.

10.ª Além da responsabilidade disciplinar, a adesão a uma greve ilegítima também poderá fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, caso se verifiquem os pressupostos deste instituto, relativamente a danos resultantes da falta do trabalhador, podendo também, neste domínio, poder ser considerado, no domínio da culpa, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve.