Abertura da ADSE a contratos individuais traz excedente de 80 milhões

Se o actual paradigma da ADSE se mantiver, o sistema entra em défice em 2023, ano em que as despesas superam as receitas em 25 milhões de euros, conclui um estudo elaborado pelo Conselho Geral e de Supervisão agora divulgado.

Com a despesa a subir a um ritmo maior do que a receita e se nada for feito para travar esta evolução, a ADSE corre o risco de entrar em défice dentro de cinco anos. O alerta é deixado por um estudo elaborado pelo Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE, que propõe como alternativa a abertura do sistema de assistência na doença a 100 mil novos beneficiários com contratos individuais a trabalhar na função pública, o que permitira alcançar um excedente de 80 milhões de anos até 2023.

O estudo, elaborado por uma equipa do CGS com a participação do conselho directivo da ADSE, considerou dois cenários base e fez projecções para um período de cinco anos (até 2023) em cada um deles. No primeiro cenário, analisou-se a evolução da situação financeira da ADSE mantendo-se como um sistema semifechado e sem qualquer alargamento. Num segundo cenário, os autores do estudo consideraram o alargamento da ADSE a 100 mil trabalhadores com contrato individual e aos seus familiares.

No cenário invariante, assumiu-se um aumento anual da despesa por beneficiário de 3% (metade do que se tem verificando) e uma subida de 1% na receita dos descontos (superior aos 0,6% de 2017), concluindo-se que os custos com saúde (regime livre e regime convencionado) seriam de 612,5 milhões de euros em 2023, enquanto as receitas ficariam nos 587,1 milhões  de euros. Ou seja, nesse ano, registar-se-ia um défice de 25,4 milhões de euros, o que leva os autores do estudo a concluir que, com o actual paradigma, “a ADSE não é sustentável a médio prazo”.

Esta situação só poderá ser invertida se o Governo e a direcção da ADSE considerarem aquela que é uma proposta há muito defendida pelo CGS (órgão consultivo onde estão representados beneficiários da ADSE, sindicatos, serviços e Governo) e que nas conclusões do estudo é apresentada como uma forma de “garantir a sustentabilidade da ADSE” e de “eliminar a desigualdade de tratamento e de direitos que existe actualmente nas Administrações Públicas”. Ou seja, abrir o sistema a trabalhadores do Estado que agora não podem ser beneficiários.

O estudo avaliou um cenário em que, até 2023, entrariam na ADSE 100 mil novos beneficiários com contratos individuais de trabalho, a que acresceriam 67 mil familiares. Nesse cenário, conclui o documento, “a ADSE obteria um excedente estimado em 80 milhões de euros (soma dos excedentes de todos os anos do período) a preços correntes”.

As propostas para controlar a despesa e garantir a sustentabilidade da ADSE

O estudo desenvolvido pelo Conselho Geral e de Supervisão propõe várias medidas com o objectivo de fomentar a sustentabilidade da ADSE e “controlar rapidamente o crescimento acentuado da despesa, os consumos excessivos, os custos apresentados pelos prestadores e a fraude”.

Alargar a ADSE, no imediato, aos trabalhadores com contrato individual de trabalho das Administrações Públicas, o que permitiria “garantir a sustentabilidade da ADSE, já que rejuvenesceria a população abrangida” e “eliminar a desigualdade de tratamento e de direitos que existe actualmente nas Administrações Públicas”.

Definir padrões de consumo, identificar rapidamente comportamentos desviantes e anomalias, de modo a permitir “uma gestão mais eficiente, um combate mais eficaz à fraude e um melhor controlo da despesa;

Criar, na estrutura da ADSE, unidades de monitorização sistemática da sustentabilidade.

Dinamizar a comunicação com os beneficiários para promover o consumo responsável e desenvolver um plano de literacia em saúde que os autores do estudo consideram “fundamental para garantir a sustentabilidade a continuidade da ADSE”.

Proceder às regularizações de 2015 e 2016 (em causa estão 38 milhões de euros alegadamente facturados a mais à ADSE, que deram origem ao diferendo com os principais hospitais privados e que estão a ser renegociados) e de 2017 e 2018 relativamente a facturação que ultrapassa os limites impostos pela ADSE.

Cumprir o Decreto-Lei de Execução Orçamental de 2018 que prevê a fixação de preços máximos nos medicamentos, próteses e procedimentos cirúrgicos. O objectivo é fechar os preços que têm ainda códigos abertos no regime convencionado da ADSE. O processo ainda está em negociação com os prestadores privados.

Alargar e diversificar a rede de prestadores da ADSE com o objectivo de melhorar o acesso dos beneficiários aos cuidados de saúde e de reduzir a concentração da prestação de cuidados “num número muito reduzido de prestadores (seis), estabelecendo uma relação mais equilibrada da ADSE com estes prestadores e promovendo a concorrência”.

Publicar a nova tabela de Regime Livre tendo como objectivos, por um lado, estabelecer uma melhor articulação com a tabela de preços do Regime Convencionado (a unificação de códigos devia ser estudada) e, por outro lado, fechar as situações que facilitam a fraude.

Resolução “rápida da situação anómala” de beneficiários internados há vários anos e que necessitam é de cuidados continuados. A situação, alerta o estudo, gera “graves desigualdades de tratamento dos beneficiários” e “elevados custos para a ADSE” contabilizados em seis mil euros por mês por beneficiário.

Resolver a situação dos cerca de 53 mil beneficiários que, em 2018, estavam isentos de contribuir e cujo número tem vindo a crescer por causa do aumento do salário mínimo nacional (quem recebe pensões até ao salário mínimo fica isento da contribuição mensal de 3,5% para a ADSE). Este benefício é financiado pelos descontos dos restantes beneficiários, mas os autores do estudo alertam que se trata de um apoio social “que deveria ser financiada pelo Orçamento do Estado”.

Analisar as situações de trabalhadores que usufruem do regime de benefícios da ADSE, mas que fazem descontos apenas com base numa parte do seu rendimento mensal.

Acabar com as cativações e cortes no orçamento da ADSE, o que, alerta o estudo, “dificulta a gestão da ADSE e impede a rentabilização das reservas acumuladas”.

Dotar a ADSE de recursos humanos especializados em todas as suas áreas de actividade.

Estudo defende rentabilização do excedente

“As conclusões que se tiram do alargamento da ADSE aos trabalhadores com contratos individuais de trabalho, mesmo que não atinja o universo potencial máximo (100 mil), é que esse alargamento criaria excedentes que evitariam que se verificasse uma situação de insustentabilidade na ADSE pelo menos a médio prazo”, lê-se nas conclusões do estudo publicadas no site do CGS.

Essa conclusão, refere o estudo, “é reforçada pelo facto de a ADSE ter acumulado, no passado, mais de 350 milhões de euros de reservas que, infelizmente, não estão a render praticamente nada pois o Governo obrigou a ADSE a depositá-las no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) cuja taxa de juro é praticamente zero, mesmo inferior à paga pela banca privada”.

O CGS defende que esse excedente deveria ser rentabilizado, ao contrário do que acontece actualmente. Nas propostas finais, o CGS recomenda uma gestão mais flexível do orçamento da ADSE, “acabando com as cativações e cortes no seu orçamento a que tem sido sujeita, o que dificulta a gestão da ADSE e a impede e, por outro lado, a rentabilização das reservas acumuladas”.

Raquel Martins - 3 de Abril de 2019, Público