Combustíveis: Sociólogos alertam para aproveitamento político e excessiva mediatização

Sociólogos do trabalho alertaram nesta quarta-feira para o aproveitamento político da greve dos motoristas de matérias perigosas e para a excessiva mediatização da paralisação, cujos efeitos sociais mostram um certo corporativismo dos envolvidos no conflito.

Manuel Carvalho da Silva disse à agência Lusa que situações como a da greve dos motoristas de matérias perigosas ocorrem ciclicamente, mas agora a novidade é a mediatização do protesto e o contexto político. “É natural que trabalhadores tentem resolver os seus problemas desta forma, através da greve, mas quando o problema se desloca para a política partidária, esquece-se o problema inicial entre os trabalhadores e os patrões”, afirmou o sociólogo referindo o aproveitamento dos partidos de direita deste conflito laboral.

A greve dos motoristas de matérias perigosas, que começou às zero horas de segunda-feira, foi convocada pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), por tempo indeterminado, para reivindicar o reconhecimento da categoria profissional específica. Na terça-feira, gerou-se a corrida aos postos de abastecimento de combustíveis e muitos ficaram fora de serviço, tendo o Governo decretado a requisição civil, alegando o não cumprimento dos serviços mínimos estipulados.

Carvalho da Silva considerou que esta greve é um exemplo de um conflito que envolve uma pequena estrutura, mas que alcança um forte impacto na sociedade, porque o papel das organizações sindicais tradicionais tem sido descredibilizado. “Quando se tenta enfraquecer as organizações representativas dos trabalhadores, a bomba acaba por rebentar de alguma forma”, afirmou o antigo sindicalista.

Para Carvalho da Silva, “o que aconteceu nos últimos anos é que os poderes deixaram de responder em tempo útil às organizações representativas dos trabalhadores, isso descredibilizou as organizações estruturadas e levou a que grupos específicos de trabalhadores percebam que têm o poder de provocar e organizam-se nesse sentido”.

O sociólogo salientou “o elevado grau de informalidade do sector dos transportes de mercadorias, com cerca de metade da remuneração recebida de forma ilegal, o que levou à situação sem controlo”. “Os trabalhadores têm razão para protestar porque sempre receberam grande parte remuneração de forma ilegal, sem que houvesse qualquer intervenção do Estado”, afirmou, explicando que este é um dos motivos porque “surgem estes movimentos de poderes minoritárias mas com impactos muito sensíveis na sociedade”.

O sociólogo defendeu a necessidade de um reequilibrio de poderes, que permita aos sindicatos “condições para irem articulando interesses das várias profissões e categorias”.

“Ou então acontece isto e a extrema-direita aproveita-se”, disse referindo-se ao surgimento de movimentos grevistas como o dos camionistas e os seus efeitos na sociedade. “Pretendeu-se diminuir a influência das organizações sindicais, para levar a um cenário de perda de direitos dos trabalhadores, e acabou por se criar condições para o aproveitamento político”, considerou.

O sociólogo Elísio Estanque também considerou que, no actual contexto em Portugal, há mudanças na sociedade e na acção colectiva, que revelam muita permeabilidade à descredibilização das organizações sindicais e das que estão no Governo. “Esta situação atinge o próprio Governo e vê-se a oposição a aproveitar-se disso”, afirmou.

Para o investigador e professor universitário, a greve dos motoristas de matérias perigosas também teve um impacto social tão elevado porque “alguma comunicação social" divulgou as notícias “num círculo vicioso, com reportagens permanentes, o que tem um efeito de bola de neve”. Elísio Estanque considera que esta greve surpreendeu o Governo e as pessoas pelo “grande impacto” que teve.

“É mais uma greve num sector em que habitualmente as situações de conflito afectam um grande conjunto da sociedade, tal como os transportes públicos ou aéreos. São determinados grupos profissionais que, não tanto pelo número, mas pelas suas funções, conseguem uma repercussão muito extensa”.

Neste caso são camionistas de mercadorias perigosas organizados num “pequeno e recente sindicato”, que se organizou tendo em conta que os profissionais que defende deviam ter carreiras especiais. “Mas o comportamento sindical por vezes entra num egoísmo corporativista e esquece a solidariedade para com a sociedade geral”, concluiu o sociólogo e investigador na área do trabalho.

Lusa - 18 de Abril de 2019