Bolonha não diminuiu exames escritos no superior

Investigação da Universidade do Minho revela que os métodos tradicionais de avaliação dos estudantes ainda são os mais utilizados pelos professores
Na hora de avaliar os conhecimentos dos alunos, os professores universitários não arriscam. Os exames e os testes escritos continuam a ser os métodos de avaliação mais utilizados e menos de metade recorre, por exemplo, a projectos de grupo. Os dados são de uma investigação da Universidade do Minho (UM), cujos resultados foram publicados em livro esta semana. Docentes e estudantes concordam que é necessário diversificar estas ferramentas.

"Há dificuldades de alguns professores em construir e validar outros instrumentos que não sejam os testes", explica Maria Assunção Flores, do Centro de Investigação em Estudos da Criança da UM, que coordenou o projecto Avaliação no Ensino Superior: Concepções e Práticas.
De acordo com os dados recolhidos nesse estudo, os testes ou exames escritos são o principal método de avaliação - ou mesmo o único - em 94% dos cursos. As opções alternativas surgem com uma grande diferença na escala de preferências dos docentes. Só 58% recorre a trabalhos práticos ou experimentais em grupo e 55% opta pelas apresentações orais em grupo.
Além disso, menos de metade recorre a projectos realizados em grupo (48%) ou relatórios (45%) para aferir os conhecimentos dos seus estudantes. O método de avaliação menos utilizado é o portefólio.
Com a Declaração de Bolonha, assinada há 20 anos, esperava-se que as universidades tivessem diversificado a forma de aferir os conhecimentos dos seus alunos. O estudo questionou os docentes do ensino superior sobre o impacto que esse processo teve no ensino e encontrou algum cepticismo. "Há professores que referem que houve apenas uma transição formal", com o encurtamento das licenciaturas para três anos, entre outras adaptações, "mas não houve uma reflexão mais aprofundada relativamente às implicações ao nível do ensino e da aprendizagem", refere Maria Assunção Flores. Bolonha "não teve o impacto desejado ao nível das práticas de avaliação", sublinha a investigadora.
Este estudo foi realizado ao longo de três anos em cinco universidades públicas portuguesas - que não são identificadas por "razões éticas", mas que fazem parte de um grupo muito restrito que tem oferta formativa transversal a áreas como a Medicina, a Engenharia ou o Direito. Responderam a um inquérito por questionário 5549 estudantes de todas as áreas científicas e 250 participaram em grupos de discussão. Foram ainda inquiridos 185 professores e 99 participaram em grupos focais.
Alunos e docentes concordam que o predomínio dos testes e exames como forma de avaliação não é benéfica. "O que se destaca, na voz de uns e outros, é a necessidade de actualizar, de inovar, mas sobretudo de diversificar mais as práticas", afirma Maria Assunção Flores. "Isto não significa eliminar testes e exames, mas torná-los menos prevalentes."
Este estudo encontrou diferenças significativas entre os diferentes cursos. Estas têm a ver "com as especificidades dos cursos", mas também "com a própria cultura que existe dentro destas diferentes áreas de conhecimento", expõe a coordenadora do estudo. Por exemplo, nos cursos da área da Saúde, como Medicina e Enfermagem, o recurso a estes métodos de avaliação é ainda mais evidente. O curso de Direito reporta menos o uso dos métodos colectivos do que qualquer outro curso (ver caixa).
Pelo contrário, os estudantes das Ciências da Engenharia e da Tecnologia relataram mais o uso de métodos colectivos do que os estudantes de todas as outras áreas de conhecimento. Psicologia, Engenharia Mecânica e Engenharia e Gestão Industrial foram os cursos que reportaram um menor uso dos métodos individuais em comparação com todos os outros cursos.
Alunos de Medicina e Enfermagem mostram mais stress
Os alunos de Medicina e Enfermagem são os que apresentam mais stress e ansiedade no seu curso superior, revela o estudo da Universidade do Minho (UM). Os investigadores tentaram perceber quais são as emoções que associam à avaliação e encontraram níveis elevados de sensações negativas entre quem frequenta cursos da área da Saúde, Direito e Psicologia.
O curso de Enfermagem é mesmo aquele em que se reporta mais emoções negativas associadas à avaliação, mostra o estudo Avaliação no Ensino Superior, que deu origem a um livro que foi editado esta semana. As diferenças não são, porém, muito significativas relativamente aos outros três cursos em que as emoções negativas são mais elevadas: Medicina, Psicologia e Direito. Os investigadores utilizaram uma escala com base numa lista de emoções que os estudantes associavam à avaliação. As emoções negativas foram associadas a stress e ansiedade, mas também medo e receio. Genericamente, 78,3% dos estudantes associam estes sentimentos à avaliação.
Mas há cursos em que estes níveis são mais reduzidos. Por exemplo, os estudantes de Engenharia e Tecnologia identificam menos emoções negativas, não só em comparação com os estudantes da Saúde, mas também em comparação com os estudantes de Ciências Sociais e Humanidades. Os cursos de Línguas, Engenharia Mecânica e Engenharia e Gestão Industrial são aqueles em que os alunos reportam menos emoções negativas em relação à avaliação. A investigação deu algumas pistas sobre o que pode motivar estas emoções negativas entre os alunos do ensino superior. A investigadora da UM Maria Assunção Flores, que coordenou este trabalho, salienta que há formações superior "que têm, à entrada, notas mais elevadas e também uma maior pressão e maior competitividade". Esses sentimentos podem prolongar-se para o próprio curso. Medicina é um desses casos - os cursos de formação médica tiveram, no concurso nacional de acesso do ano passado, médias de acesso entre os 17,4 e os 18,2 valores.

Público  22.07.2019 - Samuel Silva