Só 20% dos docentes universitários estão no topo da carreira

Meta da lei do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovada em 2009, não está a ser cumprida. Deveriam estar nestas posições entre 50% a 70% dos docentes universitários. Últimos dados dão conta de que apenas 20,4% estão nas categorias de catedrático ou associado.

Para cumprir o que está inscrito na lei, os professores das universidades que se encontram nos lugares do topo da carreira (catedráticos e associados) já deviam, no mínimo, representar metade do total de docentes deste sector do ensino, mas por agora o seu peso não vai além dos 20,4% e tem estado até a diminuir nos últimos dez anos.

Esta é uma de várias conclusões que se podem extrair dos dados que dão forma ao Perfil do Docente do Ensino Superior em 2018, que foi divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) na passada semana.

Dez anos é quanto já tem também o Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), em que se estipula o seguinte: “O conjunto dos professores catedráticos e dos professores associados de carreira de cada instituição de ensino superior deve representar entre 50% e 70% do total de professores de carreira”. Ou seja, só para chegar aos 50% seria preciso quase triplicar o número actual de professores nestas categorias, passando dos actuais 4409 para 10.787.

Nos termos do ECDU, estes limiares deviam constar entre os critérios utilizados para a avaliação das instituições do ensino superior, mas até agora a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) não os tem aplicado.

Em 2009, quando foi aprovado o ECDU actualmente em vigor, existiam 4660 professores catedráticos e associados, o que representava 21,5% do total de docentes universitários do ensino público e privado. Em 2018 eram 4409 e o seu peso não ia além dos 20,4%, apesar do número total de docentes universitários ter decrescido ligeiramente: passou de 21.702 em 2009 para 21.595 em 2018.

“A meta estabelecida no ECDU já devia estar a ser assegurada, mas não está como mostra o tipo de concursos que têm sido abertos, e assim continuamos muito longe de a atingir” adianta ao PÚBLICO a investigadora Mariana Gaio Alves, que é também vice-presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup).

Segundo dados recolhidos por este sindicato, a partir de 2011 a proporção de concursos abertos para professores catedráticos passou a ser inferior à dos procedimentos destinados ao ingresso de docentes auxiliares, que desde a aprovação do ECDU é a primeira categoria da carreira docente universitária. Em 2018, por exemplo, os concursos para a categoria de catedrático representaram apenas 14,1% do total de procedimentos abertos nesse ano, enquanto 42,5% se destinaram ao ingresso na carreira.

Metade dos professores universitários (10.799) tinham em 2018 a categoria de professor auxiliar. Para Mariana Gaio Alves, “mais do que uma abertura a novos ingressos, espelha-se nestes números o esforço de regularização de professores que estão no sistema de forma irregular (ou pelo menos precária), por vezes há décadas”, conforme escreveu num artigo para o último número da revista Snesup.

Esta investigadora não tem aliás dúvidas de que a “precariedade” continua a ser um dos traços principais do ensino superior português. Já lá iremos.

Concursos à revelia da lei

Para tentar colmatar a escassez de docentes no topo da carreira, e ao contrário do que determina a lei, o Governo decidiu autorizar as universidades a abrir, até ao final do ano, concursos internos que permitam fazer ascender professores que há mais de dez anos não tenham promoções.

Segundo o estipulado na lei, os concursos para ingresso em qualquer categoria da carreira do ensino superior têm de ser internacionais. A excepção agora consagrada pelo Governo resulta de uma proposta do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

“Serve apenas para desbloquear um problema grave, quer a nível da acreditação internacional, quer ao nível do cumprimento da lei nacional”, justificou o presidente do CRUP, António Fontainhas Fernandes, em declarações ao PÚBLICO após a aprovação desta medida pelo Governo, em Julho.

Os dados coligidos pelo Snesup mostram também que, em média, 34% dos 3050 concursos abertos entre 2009 e 2018 se destinavam a lugares na categoria de professor associado. Apesar desta “abundância”, o número de professores associados desceu de 2990 em 2009 para 2882 em 2018.

Uma classe envelhecida

O mesmo aconteceu com os catedráticos: de 1670 há dez anos passou-se para 1527 em 2019. Neste período a proporção de concursos abertos para esta categoria foi de cerca de 16%. Esta variação negativa do contingente de professores catedráticos e associados deve-se, em grande parte, à saída para a aposentação de muitos destes docentes, já que estes grupos são os mais envelhecidos da classe docente universitária, sendo que as saídas praticamente não têm sido compensadas por novos ingressos

Dos 1527 catedráticos que estavam em funções no ano passado, 66,2% já têm 60 anos ou mais. Neste grupo etário estão também cerca de 35% dos professores associados. Alargando o universo e as faixas etárias, refira-se que entre os docentes universitários cerca de 74% têm 50 anos ou mais. Há dez anos esta proporção era de 37,2%.  

Dos professores que estão na carreira, apenas 41 tinham idades inferiores a 30 anos em 2018. O envelhecimento é assim uma marca de toda a classe docente, seja do ensino básico e secundário ou do superior. Mas as consequências deste fenómeno não são iguais, frisa Mariana Gaio Alves: “Ao contrário do ensino básico e secundário, onde começam a escassear os candidatos a professores, no ensino superior temos uma larga mão-de-obra de pessoas qualificadas que continuam em situação de precariedade, não tendo por isso ainda conseguido entrar na carreira.”

Na prática esta é uma realidade que pode ser assim descrita: cerca de 40% dos professores do ensino superior continuam com contratos a prazo e perto de um terço está contratado a tempo parcial, o que implica vencimentos mais baixos. “É uma situação que não só provoca incerteza entre estes docentes, como também não garante que o sistema possa ter uma massa crítica estabilizada”, comenta Maria Gaio Alves, que chama também a atenção para o aumento de outro tipo de precariedade: o recrutamento para posições que não estão enquadradas nas carreiras existentes, o que implica uma “maior vulnerabilidade”.

Segundo esta investigadora, é o que se está a passar, com os recrutamentos feitos ao abrigo da lei de Estímulo do Emprego Científico, aprovada em 2017 para substituir as bolsas dos investigadores doutorados por contratos de trabalho com a duração de seis anos.  

Clara Viana - 1 de Outubro de 2019, Público