ADSE. Beneficiários temem que alargamento aos contratos individuais de trabalho no Estado não tenha “efeito prático”

Associação nacional de beneficiários da ADSE está preocupada que o modelo de abertura do subsistema de saúde proposto pela direção do instituto público – e que se encontra em discussão – não resolva o problema dos trabalhadores que estão impedidos de aderir. Também o presidente do Conselho Geral e de Supervisão, João Proença fez o mesmo alerta. Já o membro do Conselho Diretivo eleito pelos representantes dos beneficiários, Eugénio Rosa, lembra que o projeto ainda não está fechado

A Associação 30 de Julho, associação nacional de beneficiários da ADSE, teme que “o método proposto” para o alargamento do subsistema de saúde público aos contratos individuais de trabalho (CIT) no Estado coloque em causa “o efeito prático da medida”. Isto porque, explica a organização em comunicado enviado às redações, a proposta do Conselho Diretivo do subsistema faz “depender a inscrição destes trabalhadores da decisão das respetivas entidades empregadoras assinarem um ‘acordo de capitação’ com a ADSE”.

O mesmo alerta foi transmitido ao Expresso na semana passada pelo presidente do Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE, João Proença. O responsável reconheceu que a discussão sobre este tema não estava ainda fechada mas sinalizou que o projeto apresentado é gerador de custos para as entidades empregadoras, que podem, por isso, não querer aderir. “A proposta do Conselho Diretivo estabelece um acordo de capitação com as entidades empregadoras em que estes suportam os custos do regime convencionado e do regime livre em troca do pagamento, por cada trabalhador, de um valor que traduz o custo médio que a ADSE tem com cada beneficiário [em 2020 é de 500,90 euros]”.

Em causa estão cerca de 100 mil pessoas, em que metade pertence a unidades EPE do Serviço Nacional de Saúde e os outros 50% encontram-se ao serviço de empresas municipais, além de alguns trabalhadores colocados em universidades. A este total somam-se à volta de 30 mil familiares que também ganhariam o direito de usufruir da ADSE.

Por sua vez, Eugénio Rosa, membro do Conselho Diretivo da ADSE eleito pelos representantes dos beneficiários no CGS, faz notar ao Expresso que esta “porta que se abriu” deve “ser aproveitada, com inteligência e flexibilidade, para ultrapassar o bloqueio existente”. Reconhece que a proposta precisa de “ser ainda melhorada e clarificada para eliminar a injustiça existente” que impede os CIT de aderirem ao subsistema. “Basta dizer que os acordos de capitação – que é base da proposta do Conselho Diretivo enviada ao CGS, após a ADSE ter dado ‘luz verde’ às autarquias – têm-se multiplicado nos últimos meses com as juntas de freguesia (já foram assinados mais de 100 acordos abrangendo centenas de trabalhadores que assim se puderam inscrever na ADSE reforçando a sustentabilidade desta)”.

Ora, na sua opinião, “se o acordo tem um custo suportável para uma junta de freguesia, com maioria de razão tem para um hospital EPE (recorde-se que muitos destes hospitais fazem seguros de saúde com empresas privadas para os trabalhadores cuja inscrição na ADSE tem sido recusada)”.

Eugénio Rosa acredita que o projeto não vai levar a uma “falsa abertura” da ADSE, como referiu ao Expresso João Proença, e frisa que a proposta “nem tem ainda um parecer desfavorável do CGS, pois este ainda não o emitiu, e o engenheiro João Proença não substitui o CGS”.

O membro da direção faz questão de destacar que “o alargamento da ADSE a todos os trabalhadores das administrações públicas, mas sem a descaracterizar, é, por um lado, um ato de justiça (não é aceitável que trabalhadores com as mesmas funções na mesma entidade pública uns tenham direito à ADSE e outros não por terem contratos individuais de trabalho impostos pelo governo) e, por outro lado, reforça a sustentabilidade da ADSE, pois rejuvenesceria a população beneficiária”.

TRÊS ANOS DE ESPERA

A solução para o problema tem vindo a ser sucessivamente adiada desde 2018. “Conseguir isso tem sido um objetivo da minha ação no Conselho Diretivo como representante dos beneficiários e também do CGS”, garante Eugénio Rosa, apontando o dedo ao Ministério das Finanças, que partilha a tutela da ADSE com o gabinete de Alexandra Leitão.. Segundo o representante dos beneficiários, a ‘culpa’ dos CIT ainda estarem de fora deve-se ao Ministério agora liderado por João Leão, que se “tem oposto frontalmente ao alargamento e assim já se passaram três anos”. Um panorama que pode agora inverter-se, avança o responsável, pois acredita que a proposta do Conselho Diretivo de inscrição dos trabalhadores da função pública com CIT “poderá obter o acordo do Governo, incluindo das Finanças”.

A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, que tem a tutela da ADSE, também referiu ao Expresso que a abertura do subsistema aos CIT iria passar pela assinatura de acordos com as entidades empregadoras – o que ajuda o subsistema a ter tempo de adaptação, pois não entrariam de repente milhares de beneficiários, e também permite uma melhor monitorização do impacto desta medida na sua sustentabilidade.

Tal como Eugénio Rosa, a Associação 30 de Julho foca a importância de se tratar os funcionários do Estado todos por igual, assim como a necessidade de serem tomadas medidas que deem garantias de sustentabilidade da ADSE. “Este alargamento é há muito por nós reclamado e defendido, tanto pela sua importância para a sustentabilidade da ADSE, como por razões de justiça para eliminar a discriminação que pesa sobre os trabalhadores que desempenham funções públicas com contratos individuais de trabalho e que devem ter o direito de aderir à ADSE em pé de igualdade com os restantes trabalhadores da administração pública”.

Mas isso deve ser feito tendo em conta “a opinião dos beneficiários da ADSE – os seus financiadores e quem mais tem a ganhar ou a perder com o que for decidido”, frisa a associação de beneficiários. Na mesma nota de imprensa é ainda sublinhado que “tal alargamento deverá abranger de imediato os CIT das entidades públicas empresariais do Estado, designadamente do Serviço Nacional de Saúde, e das Autarquias Locais, e deve ser extensivo aos trabalhadores que renunciaram à inscrição e aos que, por qualquer razão, não se inscreveram no prazo em que o podiam ter feito”.

No final é reiterado “o desacordo com qualquer proposta que permita desigualdades e discriminação no acesso ao direito de adesão, esperando que o sentido de justiça e o bom senso prevaleçam e se traduzam nas melhores conclusões” - e fica a garantia de que a Associação 30 de Julho permanecerá atenta “ao debate em curso nos órgãos da ADSE”.

O parecer do CGS sobre a proposta de alargamento aos CIT tem de estar concluído até ao final do mês.

ANA SOFIA SANTOS - 22.09.2020 Expresso