Sentenças dos tribunais de primeira instância ficam acessíveis online em 2024

Justiça desiste de traduzir decisões judiciais para linguagem comum: “É demasiado complicado”.

Se tudo correr como previsto, em meados do ano que vem as decisões dos tribunais de primeira instância deverão ficar disponíveis online, como era suposto acontecer há muitos anos, por uma questão de transparência.

A promessa foi feita esta quarta-feira, durante a assinatura de um protocolo entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Conselho Superior da Magistratura destinado a permitir que às sentenças e acórdãos de primeira instância – não todos, mas parte deles – possa ser aplicada uma ferramenta electrónica destinada a apagar destes textos os dados pessoais que deles constam, conforme exige a lei. Desenvolvida pelo Inesc – ID, instituto de investigação na área das ciências da informação, a ferramenta já está a ser usada no Supremo.

Até aqui, a anonimização dos acórdãos, suprimindo dados como os nomes dos intervenientes nos litígios judiciais e respectivas moradas, era feita manualmente pelos funcionários judiciais. Daí que se possam contar pelos dedos as decisões judiciais de primeira instância neste momento acessíveis online.

Com esta ferramenta informática - que foi alvo de financiamento comunitário e custou em 2021 ao Supremo cerca de 283 mil euros - esse procedimento, que já está a ser testado na primeira instância, passará a ser automático. A ideia é que as decisões quer do Tribunal de Contas quer do Tribunal Constitucional também possam beneficiar dela, e que mais tarde ainda venha eventualmente a abranger a justiça administrativa e fiscal.
Não se pense, porém, que no início as sentenças ficarão disponíveis pouco tempo depois de serem proferidas: segundo as estimativas do vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Azevedo Mendes, o processo demorará duas a três semanas até poderem ficar em linha, pelo menos nos primeiros tempos. Até porque este órgão decidiu que, ao contrário daquilo a que aconselham as recomendações internacionais na matéria, nem todas as decisões judiciais serão disponibilizadas nas respectivas plataformas informáticas, uma vez que “isso tornaria a sua pesquisa demasiado difícil”. Estará a cargo dos juízes a sua selecção.

A falta de disponibilização online das decisões de primeira instância tem merecido a Portugal a crítica de organizações internacionais do sector, como a Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça do Conselho da Europa.

Apresentada há ano e meio como objectivo central deste projecto, a criação de um algoritmo informático assente em inteligência artificial que permitisse também sumarizar decisões judiciais e conteúdos processuais em linguagem comum, compreensível por qualquer pessoa, ficou, no entanto, pelo caminho. “Desistimos dessa parte. A sumarização das decisões é mais complicada do que se pensa”, admite o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo.

Ana Henriques - 4 de Outubro de 2023, Público