Universidades querem sair do perímetro orçamental do Estado

Comissão independente apresenta esta quarta-feira recomendações para rever o regime jurídico do ensino superior. Se proposta avançasse, universidades passariam a ser equiparadas às empresas públicas.

O Estado “nem sempre se comporta como uma pessoa de bem” em matéria de financiamento do ensino superior e, por isso, as universidades querem sair do perímetro orçamental das contas públicas. Tanto a acusação como a sugestão constam do relatório de uma comissão independente nomeada pelo Governo para orientar a revisão do Regimes Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), que é apresentado esta quarta-feira. Quaisquer mudanças na lei fundamental do sector têm que esperar pela composição da próxima Assembleia da República.

Na auscultação que foi feita ao longo deste ano, a comissão independente, liderada pelo antigo presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), Alberto Amaral, concluiu que há “de um modo geral, concordância sobe a adequação do nível de autonomia consagrado” no Regime Jurídico entre as instituições do sector. “Todavia, esta autonomia parece ser muitas vezes cerceada por outros dispositivos legais para além do RJIES”, lê-se no relatório.

Por isso, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) – que agrupa todas as universidades públicas e a Universidade Católica –, bem como, a título individual, as cinco universidades com estatuto de fundação pública de direito privado (Porto, Aveiro, Minho, Nova de Lisboa e ISCTE) consideram que a forma de “aprofundar e consolidar a autonomia” do sector passa por “excluir as instituições de ensino superior do perímetro orçamental do Estado”.

Se a solução fosse implementada, as universidades passariam a ser equiparadas às empresas públicas que operam num mercado concorrencial, de acordo com o relatório. Em entrevista ao PÚBLICO, o novo presidente do CRUP, Paulo Jorge Ferreira defendeu, esta semana, que asuniversidades deviam ter um regime de autonomia semelhante ao das autarquias”.

Segundo o relatório, “a esmagadora maioria” das posições expressas pelas instituições de ensino superior “é extremamente crítica” do Governo, em particular por não estar a ser cumprida a legislação relativa ao financiamento do sector. Os autores do documento consideram assim "lamentável que o Estado nem sempre se comporte como uma pessoa de bem nesta matéria”.

O documento da comissão independente é apresentado publicamente na tarde desta quarta-feira, em Lisboa. O texto “não exprime os pontos de vista da Comissão ou dos seus membros”, explica ao PÚBLICO Alberto Amaral, que coordenou a equipa – onde tiveram assento representantes dos estudantes, dos sindicatos e do sector privado. Tenta ser “um relato, tanto fiel quanto possível, da grande diversidade de opiniões, que resultaram da consulta pública efectuada”.

Só na próxima legislatura

O RJIES entrou em vigor em 2008 e a sua implementação devia ter sido avaliada há uma década, o que nunca aconteceu. A revisão do diploma estava inscrita no programa do Governo para o mandato que foi agora interrompido. A dissolução da Assembleia da República – a quem compete aprovar eventuais alterações à lei – volta a pôr um travão ao processo. “Esperemos que na próxima legislatura haja condições para fazê-lo”, afirma Alberto Amaral.

Um aspecto envolto em “forte polémica”, segundo o relatório, é o modelo de governação das instituições. O RJIES acabou com órgãos como o Senado e atribui a função de eleição do reitor a um Conselho Geral, composto por um número limitado de representantes das academias. “Poderá ter-se ido longe de mais quando se suprimiram todos os órgãos colegiais”, admite Amaral ao PÚBLICO.

O relatório sublinha que existe “um grande número de respostas”, das associações de estudantes, das organizações sindicais e de uma percentagem claramente maioritária de docentes e funcionários, “com uma visão claramente negativa” do Regime Jurídico. A convicção é que o diploma “provocou a perda de democraticidade, a desmotivação dos membros da academia e a falta de identificação com a actividade da instituição”.

A comissão independente aponta também que, se a decisão final do Parlamento passar por manter o Conselho Geral no RJIES, “há uma opinião generalizada de que devem ser feitas duas alterações”. Por um lado, estes órgãos devem deixar de ser responsáveis pela eleição do reitor, devendo essa escolha ser feita “por um corpo mais alargado e representativo, por exemplo uma assembleia ou colégio eleitoral, ou mesmo por voto universal ponderado de toda a academia”. Por outro, esse organismo “não deve intervir na vida privada da instituição”, limitando a sua actividade à aprovação dos planos estratégico e de actividades, orçamento e contas ou decisões sobre património.

Samuel Silva - 13 de Dezembro de 2023, Público