Ministério manda avaliar acumulação de salários pelo reitor da Universidade Nova

“Face às dúvidas” quanto à legalidade da situação, tutela pediu novo parecer à Secretaria-Geral de Educação e Ciência, autora do documento de 2007 em que a universidade diz basear a prática.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) pediu à Secretaria-Geral de Educação e Ciência (SGEC) para avaliar a legalidade da situação do reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, que recebe dois salários na instituição de ensino superior que dirige. A SGEC é autora do parecer em que a universidade diz basear esta sua prática, mas nesse documento, de 2007, a possibilidade de acumulação de vencimentos “não foi suscitada”, reafirma a tutela.

Como o PÚBLICO noticiou no início da semana, ao vencimento devido como reitor, Sáàgua junta, desde 2017, um contrato como professor catedrático convidado para dar aulas de Filosofia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), onde é professor de carreira. Juristas e sindicato do sector vêm a situação como “ilegal”. O ministério tinha afirmado ao PÚBLICO que a lei “não o impede”, mas quer ver o caso esclarecido pela SGEC.

Em resposta a questões colocadas esta semana, o MCTES afirma – tal como já o tinha feito antes – que “essa questão [possibilidade de acumulação de dois salários na mesma instituição] não foi suscitada” no parecer da SGEC de 2007 em que a universidade diz basear a prática.

“Mas face às dúvidas surgidas foi solicitado novo parecer à SGEC”, informa ainda o ministério tutelado por Elvira Fortunato – que foi vice-reitora de Sáàgua desde 2017 e até ter ido para o Governo.

A Universidade Nova de Lisboa considera que o vínculo de João Sàágua como professor catedrático de carreira se “encontra interrompido pelo exercício de funções de reitor”. É isso que justifica a necessidade de assinar um contrato como convidado para dar aulas na instituição a que pertence, advoga a reitoria da instituição.

A universidade entende que esta prática foi validada pelo MCTES. “De modo a tornar claro a possibilidade de acumulação de funções do reitor, a Universidade Nova de Lisboa solicitou, no passado, autorização ao MCTES, cujo parecer foi favorável.”

O parecer a que se refere a reitoria – bem como o reitor na sua resposta à primeira notícia do PÚBLICO – foi solicitado em 2007. Não só o reitor era outro, como o enquadramento legal era distinto. O pedido da Nova prendia-se com a entrada em funções de António Rendas, que era na altura regente de uma cadeira na Faculdade de Medicina.

A então designada Secretaria-Geral do Ensino Superior entendeu que o reitor podia continuar a dar aulas, baseando-se na Lei da Autonomia Administrativa, que viria a ser revogada meses depois, quando foi publicado o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, que se mantém em vigor. O ministro era, à época, José Mariano Gago, falecido em 2015.

O PÚBLICO consultou o parecer, que mereceu a concordância do ministro, e a questão da acumulação de vencimentos de um reitor que dá simultaneamente aulas nunca é referida no documento. Posteriormente, perguntou ao gabinete da actual ministra se o parecer citado se refere “em algum momento ao eventual pagamento de ambas as funções acumuladas”. “Não. A questão não foi suscitada”, respondeu na altura o gabinete de Elvira Fortunato.

Reitor desde 2017

Isso não quer dizer que o MCTES considere ilegal a acumulação de funções de reitor (ou vice-reitor) e professor na mesma instituição de ensino superior, sendo ambas as funções remuneradas. “Nada na lei o impede”, informou, na mesma ocasião, a tutela.

João Sàágua foi eleito reitor da Nova em Setembro de 2017, quando era professor catedrático, o patamar mais alto da carreira universitária, na FCSH. Essa era, aliás, uma condição necessária para poder ocupar o cargo, na medida em que o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior estabelece que “podem ser eleitos reitores de uma universidade professores e investigadores da própria instituição ou de outras instituições, nacionais ou estrangeiras”.

A mesma lei também estabelece que o cargo de reitor (bem como o de vice-reitor) é exercido “em regime de dedicação exclusiva”. Por isso, os dirigentes ficam, por regra, “dispensados da prestação de serviço docente ou de investigação”, sem prejuízo de, “por sua iniciativa, o poderem prestar”.

Depois de eleito reitor, Sàágua continuou a dar aulas na FCSH, tendo assinado um contrato como professor catedrático convidado, ou seja, exactamente a mesma categoria que ocupava na carreira, mas num regime contratual que seria aplicável a alguém externo à instituição. Por essa via, ao vencimento como reitor (6399,53 euros brutos mensais, em 2023) acrescenta mais 1086,21 euros, de acordo com o contrato em vigor para o ano lectivo 2023/24, que o PÚBLICO consultou na faculdade.

Vice-reitores também acumulam

A acumulação de funções “é prática comum dentro da academia”, afirmou também a reitoria da Universidade Nova de Lisboa na resposta ao PÚBLICO. Durante os últimos meses, não foi, porém, possível encontrar mais nenhum exemplo de reitores ou vice-reitores – ou presidentes e vice-presidentes, no caso do sistema politécnico – que recebam vencimento pelas aulas que dão nas instituições que dirigem.

Na Universidade Nova de Lisboa, contudo, o caso de Sàágua está longe de ser único. Os actuais vice-reitores Pedro Saraiva e João Amaro de Matos, bem como José Ferreira Machado, que foi vice-reitor no primeiro mandato do actual dirigente da instituição, tiveram todos pedidos de acumulação de funções aprovados pelo reitor, recebendo mais do que um vencimento durante pelo menos um ano lectivo. No caso de Amaro de Matos, o serviço docente pago foi prestado não só na Nova, como em instituições de ensino estrangeiras, no âmbito de cursos de formação para executivos.

Amaro de Matos e Ferreira Machado não quiseram pronunciar-se sobre esta situação, remetendo comentários para a universidade. Já Saraiva informou, em resposta escrita, que deu três horas semanais de aulas numa licenciatura no ano passado, “nos termos em que tal foi acordado, solicitado e autorizado”. No ano lectivo em curso não tem serviço docente atribuído.

Samuel Silva 25 de Janeiro de 2024, Público