Governo prolonga tabu na função pública e fecha orçamento sem definir aumentos

Com o Orçamento do Estado para 2019 já em votação, um dos temas mais quentes do debate político sobre o documento continua de fora. Os sindicatos permanecem às escuras sobre aumentos salariais para 2019 e classificam a postura do Governo como “inaceitável”. Finanças dizem que a matéria vai ser abordada em primeiro lugar com os sindicatos. Mas ainda não há data marcada

“Inaceitável.” “Uma vergonha.” “Desrespeito pela negociação coletiva.” Estas foram algumas das expressões que o Expresso ouviu dos sindicatos da Administração Pública a propósito dos aumentos salariais da função pública no próximo ano. Tudo porque com a votação do Orçamento do Estado para 2019 (OE/2019) já a decorrer na especialidade, continuam às escuras sobre os planos do Governo. E, segundo apurou o Expresso, assim vão continuar até depois da votação final global do documento, agendada para esta quinta-feira.

“Não temos nenhuma indicação. Não recebemos qualquer proposta, nem sequer resposta ao conjunto de reivindicações que apresentámos e que iam além dos aumentos salariais. Desde 12 de outubro que não há qualquer reunião com as Finanças e não há nada agendado. Está tudo parado, foi tudo suspenso, até as negociações sobre outras matérias que estavam a decorrer”, diz José Abraão, dirigente da FESAP (afeta à UGT). O sindicalista, que é também membro da comissão política do PS, sobe de tom: “É inaceitável esta desconsideração pela negociação coletiva. Nunca vimos nada assim. Não fecham a porta a aumentos, como outros governos, mas procuram iludir a questão”. Por isso, a FESAP enviou na semana passada uma carta aberta ao primeiro-ministro, António Costa.

Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum (afeta à CGTP), faz considerações semelhantes: “É uma vergonha. É um desrespeito pela negociação coletiva. Está tudo à espera do fecho da votação do Orçamento do Estado”. Na semana passada, a Frente Comum manifestou-se em frente ao Ministério das Finanças “e soubemos que tão cedo não seremos recebidos”.

Ora, a lei geral em funções públicas, que regulamenta o trabalho dos funcionários públicos, estabelece que a negociação coletiva geral anual - onde são discutidos os aumentos salariais - inicia-se a partir de 1 de setembro “com a apresentação, por uma das partes, de proposta fundamentada [...], procedendo-se seguidamente à calendarização das negociações, de forma que estas terminem tendencialmente antes da votação final global da proposta de lei do Orçamento do Estado, nos termos constitucionais, na Assembleia da República”. Mas “nunca foi apresentada qualquer proposta sobre salários pelo Ministério das Finanças. Continuamos à espera ”, enfatiza Ana Avoila.

Helena Rodrigues, presidente do STE (afeto à UGT), confirma: “A negociação não teve fundamento suficiente para ser chamada ‘negociação coletiva’. As questões pecuniárias praticamente não foram abordadas”. Lembrando que os funcionários públicos continuam a sofrer cortes, já que recebem apenas uma parte da valorização remuneratória que lhes é devida pela progressão na carreira (só em dezembro de 2019 é que recebem os 100%), interroga: “Este é o Governo de esquerda apoiado pelas esquerdas?”.

Certo é que tão cedo os funcionários públicos não vão saber com quanto podem contar no próximo ano. Na apresentação do OE/2019, o ministro das Finanças, Mário Centeno, anunciou que o documento incluía uma verba de 50 milhões de euros destinada a aumento das tabelas salariais da função pública no próximo ano. E afirmou que a forma como seriam distribuídos seria discutida e negociada com os sindicatos da AP. O que não aconteceu até agora e deve mesmo ficar para depois da aprovação do orçamento. Questionado pelo Expresso sobre esta situação, o Ministério das Finanças respondeu que “esta matéria será abordada em primeiro lugar nas reuniões com os sindicatos”. Ora, estas reuniões “não têm, ainda, data marcada”, adianta a mesma fonte.

De tema “quente” a ausente da discussão

Tecnicamente, a formulação sobre os aumentos salariais, quando os há, não tem de estar incluída no Orçamento do Estado. Os aumentos são definidos numa portaria do Governo, mas tem de estar prevista no OE uma verba necessária. Ora, Mário Centeno afirmou na apresentação do documento que o OE/2019 reserva 800 milhões de euros para aumentos de remunerações na administração pública. A maior fatia deste bolo cabe ao impacto da continuação do descongelamento das progressões na carreira, mas o ministro referiu que, neste total, há uma verba específica de 50 milhões para aumentos salariais.

Centeno começou até por rejeitar a possibilidade de aumentos das tabelas remuneratórias nas primeiras abordagens a 2019. Até porque o ministro já referiu várias vezes que, só pelo efeito das progressões na carreira, o salário médio dos funcionários públicos sobe 68 euros em 2019 (mais 3,1%), com esse número a atingir os 121 euros no conjunto de 2018 e 2019.

Contudo, face à pressão dos sindicatos - que reivindicam aumentos salariais entre os 3% e os 4% no próximo ano, ao fim de uma década de congelamento, e alertam que sem aumentos quem não progredir terá zero a mais no próximo ano - e dos parceiros da ‘geringonça’ (BE e PCP), o tema tornou-se um dos mais quentes do OE e o Governo acabou por recuar, anunciando os tais 50 milhões. Mas nada mais se sabe. Nomeadamente se o valor pode ou não ser revisto em alta. Até porque “no OE está prevista uma dotação provisional de 200 milhões de euros no âmbito das despesas com pessoal”, lembra Helena Rodrigues.

Também por esclarecer está a forma como a verba será distribuída. Foram avançados vários cenários - um aumento de menor dimensão para todos os trabalhadores ou aumentos mais significativos concentrados nos salários mais baixos - mas a opção do Executivo continua uma incógnita. E o tema não voltou a ser discutido no Parlamento. “Será que os partidos à esquerda abandonaram os trabalhadores da administração pública?”, interroga José Abraão, lembrando o silêncio de BE e PCP nas últimas semanas. Resultado: mantém-se o tabu sobre os aumentos salariais.

Sónia M. Lourenço -  Expresso 26.11.2018