Topo da carreira barrado a metade da Função Pública

Regime atual impede que 75% dos trabalhadores atinjam o nível salarial mais alto. Progressões aceleram em média 4 a 6 anos com redução de pontos: serão precisos 8 em vez de 10.

Metade dos funcionários públicos ou 242 mil entre os que são avaliados por regime de pontos (484 mil) vão continuar impedidos de alcançar o topo da carreira, caso seja aprovado o projeto de revisão do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP) que a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, apresentou esta segunda-feira aos sindicatos representativos dos trabalhadores do Estado. Trata-se de um avanço face aos 78% que, com o atual regime, não conseguem atingir o nível remuneratório mais alto, mas que não convenceu as estruturas sindicais.

"Nesta proposta, 50% dos trabalhadores terão de ser regulares, normais", ou seja, só terão direito a um ponto em cada ciclo avaliativo, que passará de bianual a anual, "e, por isso, estarão condenados a que, estando na carreira técnico superior, vão precisar de mais de 100 anos para chegar ao topo", revelou o secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abraão. "No caso dos assistentes técnicos, serão à volta de 80 anos e, no caso dos assistentes operacionais, terão de aguardar mais de 60 anos", detalhou o dirigente sindical. As contas do Dinheiro Vivo confirmam as estimativas da estrutura sindical, afeta à UGT. Um técnico superior tem 14 posições disponíveis para progressão, sendo a mais longa entre as carreiras gerais. Se em cada avaliação anual receber um ponto vai precisar de oito anos para dar um salto remuneratório, uma vez que os pontos necessários irão diminuir de 10 para oito. Esse valor multiplicado por 14 dá 112 anos para atingir a posição salarial mais elevada. O assistente técnico tem menos degraus: nove, sem contar os complementares. Isto significa que terá de esperar 72 anos para atingir o máximo, se receber sempre um ponto na avaliação de desempenho. No caso de um assistente operacional, com oito posições, só após 64 anos de serviço será possível aceder ao topo da carreira. Para cada um dos exemplos dados, será preciso somar a idade de entrada na carreira, de 18, 20 anos ou até mais, o que mostra que é impossível que aqueles trabalhadores progridam até à ultima posição.

As alterações vão abranger 484 mil funcionários, cerca de 65% do total. O novo sistema de avaliação deverá entrar em vigor em 2025, produzindo efeitos em 2026.

Confrontada com estes cálculos, a secretária de Estado da Administração Pública disse apenas que "o que o governo partilhou com os sindicatos foi feito sempre tendo em conta o pior cenário". Inês Ramires ressalvou que tais progressões não consagram as alterações de posição remuneratória gestionárias". Ou seja, na proposta de reforma do SIADAP, também está previsto que até 20% serviços avaliados como excelentes possam ser premiados com um aumento da dotação orçamental para acelerar as progressões dos seus trabalhadores. Contudo, José Abraão alertou que essas promoções "estão dependentes de um enquadramento na lei de execução orçamental". Ou seja, "este ano, tal diploma permite apenas alterações remuneratórias a 5% dos funcionários daqueles serviços", pelo que o impacto desta medida "será residual", salientou.

A redução de 78% para 50% da parcela de funcionários que nunca atingirão o topo dar-se-á por via da criação de uma nota intermédia, designada de "bom", que atribui 1,5 pontos, entre a classificação de adequado ou regular, que dá um ponto, e a de relevante ou muito bom, de dois pontos. De acordo com a proposta do governo, esta nova nota irá abranger um quarto dos trabalhadores (25%), que saem assim dos 78%, duplicando de 25% para 50% os funcionários que podem ser avaliados com mais de um ponto.

Mudança nas quotas

Haverá, assim, uma redistribuição das quotas. Neste momento, 75% dos trabalhadores podem ser classificados como adequados, o que dá um ponto, 25% estão elegíveis para receber a nota de relevante (dois pontos) e 5% podem ter excelente (3 pontos). No novo regime, apenas metade dos funcionários podem obter a classificação de "relevante" que passa a designar-se de "regular" (um ponto). Porém, um quarto dos trabalhadores (25%) vão poder ter "bom", uma nova nota intermédia, e que atribui 1,5 pontos, mais elevada em 0,5 pontos face à nota anterior de adequado ou regular (um ponto). Os níveis mais altos mantêm-se, mudando apenas a nomenclatura de "relevante" para "muito bom" (três pontos). Por outro lado, a nota "inadequado" que subtraía um ponto ao acumulado pelos trabalhadores deixa de ter impacto negativo, porque passa a valer zero.

Progressões aceleram

Esta reformulação associada à anualização do SIADAP e à redução de 10 para oito do número de pontos necessários para progredir, vão acelerar as progressões no Estado, em média, quatro a seis anos, segundo as simulações disponibilizadas pelo Ministério da Presidência. "Um assistente técnico, só com excelentes, que precisava de esperar oito anos para ultrapassar a barreira dos mil euros, vai passar a demorar seis anos", ou seja, menos quatro anos, exemplificou a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. No caso de um técnico superior só com nota de adequado ou regular (1 ponto), é necessário aguardar, no sistema em vigor, 30 anos para ganhar mais de dois mil euros. Com o novo regime, o período encurta-se seis anos para 24.

Mariana Vieira da Silva sublinhou ainda que a revisão do SIADAP vai permitir que um técnico superior com 24 relevantes ou muito bons e 16 excelentes, e que não conseguia chegar ao topo da carreira, ficando na posição 10.ª remuneratória, com um salário bruto mensal de 2916,89 euros, atinja a posição máxima (14.ª) em 40 anos, terminando a carreira com um vencimento de 3561,1 euros.

Prémios de até três mil euros para dirigentes superiores

Em vez de agravar a penalização dos dirigentes superiores que não avaliem os trabalhadores, o governo decidiu premiar até três mil euros os que integrarem os 20% de serviços classificados como excelentes. Independentemente da avaliação dos departamentos, 30% dos dirigentes intermédios também terão direito a um bónus atribuídos por quotas: 15% poderão ser considerados bons, 15% muito bons e, destes, 5% excelentes. Neste caso, a ministra da Presidência referiu que o prémio terá variações, mas será inferior a três mil euros anuais.

As alterações irão abranger 484 mil funcionários, cerca de 65% do total de 745 mil que são avaliados através do SIADAP e SIADAP Adaptado ou por sistema de pontos. O novo sistema de avaliação deverá entrar em vigor em 2025, produzindo efeitos em 2026. O projeto de diploma ainda não está fechado. Em setembro, a tutela retoma as negociações com os sindicatos.

Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo | 18 julho 2023