Como uma alteração de critérios fez a Católica deixar de ser “a melhor universidade”

Ranking do Times Higher Education reviu a forma como media a produção científica e a instituição caiu mais de 600 posições. Coimbra tem agora a melhor representante nacional.

Durante quatro anos, a Universidade Católica Portuguesa (UCP) foi a “melhor universidade” nacional no ranking do Times Higher Education (THE), um dos mais conceituados a nível global. Mas os critérios usados para medir a produção científica das instituições foram sempre contestados por vários especialistas, entre os quais o antigo presidente da agência de avaliação portuguesa Alberto Amaral. A publicação britânica aceitou, este ano, rever a sua fórmula. Resultado: a Católica passou de primeira para décima entre as representantes nacionais. A Universidade de Coimbra é quem agora lidera.

A Católica entrou no ranking do THE em 2018. Na altura, ocupava uma posição entre os lugares 601 e 800 — a partir do 200.º lugar, as instituições são agrupadas em intervalos. Era a oitava colocada a nível nacional. Um ano depois, tinha escalado até ao intervalo 351 a 400 — por onde se manteve nos quatro anos seguintes.

O resultado fazia desta a “melhor universidade” portuguesa, como a própria instituição foi anunciando sempre que saía um novo ranking. Na lista de 2024 — cujos resultados foram divulgados no final de Setembro —, a Católica perdeu mais de 600 posições a nível global.

A UCP ocupa agora o intervalo entre a 801.ª e a 1000.ª posição. No mesmo patamar estão as universidades públicas do Algarve e de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a reitoria, liderada por Isabel Capeloa Gil, não esconde que “os rankings são importantes instrumentos de marketing”. Nesse sentido, pior notícia do que perder centenas de posições a nível global foi mesmo a queda, também acentuada, a nível nacional. Aquela universidade passou da primeira para a décima posição entre as representantes portuguesas.

No ranking do THE deste ano, a melhor instituição nacional é a Universidade de Coimbra. Está no intervalo entre as posições 401 e 500, a mesma em que também estão as duas maiores universidades nacionais, as de Lisboa e Porto. À frente da Católica estão igualmente a Universidade Nova de Lisboa (501-600) e as universidades de Aveiro, Beira Interior e Minho, bem como o Iscte — Instituto Universitário de Lisboa, todas entre o 601.º e 800.º lugar.

“Citações” decisivas

O que explica esta queda da Católica? Uma mudança na própria metodologia do ranking do THE. Para entendê-lo é, porém, necessário recuar novamente a 2019.

A subida da UCP ao topo das representantes nacionais nesta lista global foi “impulsionada por uma melhoria nos indicadores relacionados com a investigação, como o número de citações”, explicava então Tomasso Grant, da publicação britânica. A universidade tinha uma pontuação de 94,6 em 100 pontos possíveis no indicador de “citações”.

Nos outros indicadores, os resultados eram mais moderados. A UCP era apenas a 10.ª instituição nacional em qualidade do ensino; a oitava no que toca à relação com a indústria; e a antepenúltima no índice de internacionalização.

Houve quem estranhasse, por isso, o resultado final, que colocava a Católica como a “melhor universidade” do país. Foi o caso do então presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, Alberto Amaral, que, logo na altura, escreveu um artigo no PÚBLICO em que punha em causa o critério usado para avaliar a produção científica. “A questão que se coloca é a de saber até que ponto esse indicador é fiável para apontar a excelência de uma universidade como instituição de investigação”, questionava.

Amaral não escreveu apenas este artigo. Contactou também o próprio THE para pôr em causa a metodologia usada. “Confesso que não percebo como é que não tinham achado estranho que um indicador que pretendia medir a relevância da investigação colocasse instituições desconhecidas do Sri Lanka, da Jordânia ou do Egipto à frente de Harvard, MIT, Oxford ou Cambridge”, comenta agora o também antigo reitor da Universidade do Porto.

Na prática, o critério usado pelo THE para medir a produção científica fazia com que quanto menos uma instituição publicasse, maior fosse o seu desempenho no indicador, porque dividia o impacto de cada artigo pelo total de trabalhos publicados pelos seus investigadores. “Um completo disparate”, afirma Alberto Amaral.

Quatro anos depois, a publicação britânica deu-lhe razão. Entre várias mudanças metodológicas recentemente introduzidas nos rankings feitos pelo THE, está uma redução, para metade, do peso do indicador de “citações”, o tal que fazia disparar o resultado da Católica.

“As conclusões foram excessivamente semelhantes: era hora de reformular a nossa metodologia, especialmente na categoria que avalia a qualidade da investigação”, justifica, em resposta escrita, fonte do THE. Tal como Alberto Amaral, também outros actores do meio académicos e científico questionaram a metodologia: “Incluindo os nossos fornecedores de dados, outros observadores e, não menos importante, os membros do nosso Conselho Consultivo [nomeado em Março do ano passado].”

Universidade desvaloriza

Esta “nova abordagem metodológica” do THE “teve um impacto na classificação” da UCP, “já que a sua estratégia de desenvolvimento científico aposta no incentivo aos investigadores para publicação em revistas de elevado impacto”, justifica a reitoria da universidade.

A instituição desvaloriza as consequências desta mudança: “Nada na reclassificação da universidade significa perda de valor, mas apenas a indicação de que o modelo de instituição valorizado pelo ranking se está a adaptar a novas realidades comerciais a nível geoestratégico, face à crescente guerra pelo talento.”

A nível global, as mudanças metodológicas introduzidas pelo THE também levaram a várias alterações nas posições de dezenas de instituições. No entanto, nas posições cimeiras do ranking quase não há mexidas. A Universidade de Oxford, no Reino Unido, continua a ser a melhor, como vem acontecendo desde 2017.

As restantes instituições do top 5 também são as mesmas do ano anterior, apenas com ligeiras mudanças na classificação. A Universidade de Stanford, nos EUA, passa da quarta para a segunda posição, trocando com a também norte-americana Universidade de Harvard.

O Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Cambridge também trocam de posições. Os norte-americanos sobem à terceira posição e os ingleses ficam-se pelo quinto posto.

Samuel Silva - 19 de Novembro de 2023, Público