Tribunal da Relação de Coimbra, Acórdão de 12 Jan. 2024

DIREITOS ATINENTES À MATERNIDADE. TRATAMENTO DIFERENCIADO. DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO SEXO.

O tratamento diferenciado de trabalhadora por razões ligadas ao exercício de direitos atinentes à maternidade é qualificável como conduta discriminatória em razão do sexo

Considera-se discriminatória a conduta do empregador que privilegie, beneficie, prejudique, prive de qualquer direito ou isente de qualquer dever um trabalhador ou candidato a emprego, em razão da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, doença crónica, nacionalidade, raça ou origem étnica, religião, convicções políticas ou religiosas, filiação sindical, território de origem, língua, grau de instrução, situação económica e condição social. Além disso, são igualmente de integrar nas condutas discriminatórias as condutas do empregador que tenham motivos relacionados com a parentalidade, bem como o assédio discriminatório e o assédio sexual. No caso dos autos, tendo a arguida logrado, em termos de organização dos seus serviços, que a funcionária que ocupava o cargo em causa continuasse a ocupá-lo permanentemente sem necessidade de admissão imediata de qualquer outro funcionário, então poderia perfeitamente ter admitido a candidata apenas no dia 5/05/2022 e ter ainda permitido à mesma o gozo da licença parental restante (de três meses), desempenhando a referida funcionária, de 1 a 4 de maio e nos três meses de gozo da licença parental da candidata, o cargo em causa. É certo que estava na disponibilidade da arguida tomar a decisão de contratar. Porém, não lhe era licito deixar de contratar com o fundamento em que a candidata (por causa do exercício da licença de maternidade) não tinha disponibilidade para iniciar de imediato a prestação laboral. A arguida apenas não admitiu a candidata ao seu serviço porque não quis, por esta se encontrar em gozo de licença parental exclusiva até ao dia 5/05/2022, por ter de gozar ainda licença parental e, assim, por ter sido mãe e ser mulher. O comportamento da arguida constituiu, pois, um manifesto ato discriminatório relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego em função da maternidade, em virtude de a trabalhadora pretender exercer os direitos que a lei - comunitária, constitucional e ordinária - lhe reconhecem na sua condição de mãe.

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23- A arguida pretendia com a contratação da candidata AA a disponibilidade efetiva da mesma para o trabalho no primeiro dia útil de maio de 2022 porque era essencial assegurar o preenchimento efetivo do posto de trabalho e causa por forma a garantir a organização de escalas e o pagamento dos serviços prestados às entidades prestadoras de cuidados de saúde à arguida.

24- Não se tendo concretizado a contratação da candidata AA, a técnica superior CC, que ocupava o posto de trabalho em questão, já não foi mobilizada e não chegou a abrir a vaga para contratação de um novo técnico superior para aquele posto de trabalho.

Concorda-se, pois, com o Exmº Procurador Geral Adjunto quando afirma que "se a arguida logrou, em termos de organização dos seus serviços, que a funcionária que ocupava o cargo em causa continuasse a ocupá-lo permanentemente sem necessidade de admissão imediata de qualquer outro funcionário, então a arguida poderia perfeitamente ter admitido AA apenas no dia 5/05/2022 e ter ainda permitido à mesma o gozo da licença parental restante (de três meses), desempenhando a referida funcionária, FF, de 1 a 4 de maio e nos três meses de gozo da licença parental de AA, o cargo em causa.

É certo que estava na disponibilidade da arguida tomar a decisão de contratar. Porém, não lhe era licito deixar de contratar com o fundamento em que a candidata (por causa do exercício da licença de maternidade) não tinha disponibilidade para iniciar de imediato a prestação laboral.

A arguida apenas não admitiu AA ao seu serviço porque não quis, devido aos motivos indicados: Por se encontrar em gozo de licença parental exclusiva até ao dia 5/05/2022, por ter de gozar ainda licença parental e, assim, por ter sido mãe e ser mulher".

Discordamos também da sentença recorrida quando considerou que não houve discriminação em função do sexo, porque o lugar não foi preenchido, não tendo existido também preterição desta candidata em beneficio de outrem, porquanto a simples "restrição de acesso de candidato a emprego", em razão do sexo, nos termos do art.º 30º do CT não exige a preterição de um candidato a favor de outro.

Por fim, e no que respeita à caducidade da validade da lista ordenada pelo concurso (que não foi invocada para fundamentar a decisão de não contratação), convém referir que as diligências para seleção dos candidatos são efetuadas dentro da vigência da reserva, ainda que a contratação propriamente dita possa ocorrer já após o seu termo. (2)

O comportamento da arguida constituiu, pois, um manifesto ato discriminatório relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego em função da maternidade, em virtude de a trabalhadora AA pretender exercer os direitos que a lei - comunitária, constitucional e ordinária - lhe reconhecem na sua condição de mãe, nos termos supra descritos.

Procede, pois o recurso do Ministério Público.SÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, e, em consequência, revoga-se a decisão judicial, confirmando-se, a decisão administrativa da Diretora do Centro Local do Lis da Autoridade para as Condições de Trabalho que aplicou à arguida A..., E.P.E. a coima de €15.300,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos nos 1 e 3 do art.º 30º, n.o 1 do art.º 35.º-A, nos n.os 1, 2 e 11 do art.º 40.º e n.o 2 do art.º 41.º, todos do Código do Trabalho.

Custas pela arguida.

Relator: Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva.

Processo: 1689/23.8T8LRA.C1

JusNet 645/2024

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